A I Guerra Mundial (1914-1918) ocupa um papel preponderante no seio da historiografia nacional, porquanto além dos efeitos militares repercutiu em Portugal consequências de natureza socioeconómica e política que contribuíram decisivamente para a queda da Primeira República Portuguesa (1910-1926).
Embora desde 1914 existissem confrontos entre patrulhas lusas e germânicas nos territórios moçambicanos e angolanos, dada a proximidade limítrofe das colónias africanas portuguesas com as colónias alemãs, e inclusive tenham perecido no decurso do conflito mais portugueses em Angola e Moçambique do que na Flandres, a entrada do país na frente europeia ocorreu somente em 1917.
Com incontáveis dificuldades para constituir o Corpo Expedicionário Português (CEP), foram mobilizados mais de cinquenta mil soldados para as trincheiras da Flandres, região norte da fronteira franco-belga onde ocorreu a 9 de abril de 1918 a fatídica batalha de Lys em que o exército alemão destroçou o CEP. No desfecho do conflito que consagrou a vitória militar da Inglaterra, França, Estados Unidos e restantes aliados, nos quais se incluíam Portugal, a aritmética nacional era reveladora: mais de 7 mil mortos, mais de 7 mil feridos, quase 6 mil desaparecidos e quase 9 mil incapazes.
As raízes da emigração portuguesa no território francês remontam precisamente a este período, quando milhares de soldados lusos não regressaram a Portugal, optando por se tornarem emigrantes em terras gaulesas. Ainda hoje, existem descendentes destes soldados e emigrantes lusos que preservam a sua memória e zelam o cemitério militar português de Richebourg, no norte de França, um cemitério militar exclusivamente português, que reúne um total de 1831 militares mortos na frente europeia.
É o caso da nonagenária Felicia Assunção Pailleux, filha do soldado e depois emigrante João Assunção, um minhoto de Ponte da Barca, que fez parte da 2ª Divisão do CEP e que como outros compatriotas que optaram no final do conflito bélico por não regressar a Portugal, onde grassava uma profunda crise política, económica e social, fixou-se na zona onde combateu, no Norte-Pas de Calais, uma zona de minas de carvão que absorveu muita mão-de-obra. Ao longo das últimas quatro décadas, Felicia Paileux tem sido a porta-estandarte da bandeira de Portugal nas cerimónias evocativas da Grande Guerra no cemitério de Richebourg e no monumento aos soldados lusos em La Couture, no Norte-Pas de Calais, honrando a memória do seu pai, soldado e emigrante português falecido em 1975, que muito antes da emigração massiva dos anos 60 escolheu como muitos outros antigos companheiros de armas a França para viver, trabalhar e constituir família.
Há poucos anos, a investigadora Maria José Oliveira, autora do livro “Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial, Frente Europeia – 1917/1918”, difundiu um novo olhar e importante contributo para a história da participação portuguesa na frente europeia da Grande Guerra, através da elaboração de uma lista inédita de 259 prisioneiros onde é revelado além do nome, data de nascimento e morte, a causa do falecimento e, em 178 casos, o local da sepultura.
Como sustenta a investigadora, cujo avô foi um dos milhares de soldados portugueses que foram feitos prisioneiros na batalha de La Lys, houve vários cativos lusos, com menos de 30 anos, que morreram em campos de internamento e de trabalhos forçados na Alemanha, França, Bélgica e Polónia, vítimas de tuberculose pulmonar, de gripe pneumónica ou ferimentos, tendo a grande maioria sido trasladada para o cemitério militar português de Richebourg.
Segundo a mesma, além deste cemitério, existem ainda portugueses sepultados noutros locais de França como Loisne, Fresnes, Pont du Hem ou os cemitérios militares de Vieille Chapelle e Sainghin-en-Mélantois, sendo que a investigação permitiu encontrar um português em Gadenstedt e em Fort Blucher, na Alemanha, um outro em Ninove, na Bélgica, assim como apreender que alguns ficaram sepultados nos próprios campos onde foram feitos prisioneiros.
Autor: Daniel Bastos, Historiador e Escritor