A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.
Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados na Califórnia, Massachusetts, Rhode Island e Nova Jérsia. A grande maioria da população luso-americana trabalha por conta de outrem, na indústria, mas são já muitos os que trabalham nos serviços ou se destacam na área científica, no ensino, nas artes, nas profissões liberais e nas atividades políticas.
No seio da numerosa comunidade lusa nos EUA, proliferam centenas de associações recreativas e culturais, clubes desportivos e sociais, fundações para a educação, bibliotecas, grupos de teatro, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, casas regionais, e sociedades de beneficência e religiosas.
Este espírito genuíno de portugalidade encontra-se paradigmaticamente plasmado na comunidade portuguesa de São José, onde se econtra a maior concentração urbana portuguesa na Califórnia. Ainda no ano transato, aquando da visita do mais alto magistrado da Nação às comunidades luso-americanas da Califórnia, cujo programa computou a ida à missa na Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, em São José, Marcelo Rebelo de Sousa constatou in loco a dinâmica notável deste importante centro da emigração portuguesa na Califórnia.
Na saída da missa, o Presidente da República, perante os jornalistas, mostrou-se então impressionado e emocionado com “este encontro de portugueses, em língua portuguesa, com os cânticos portugueses, pessoas de todas as gerações, num número tão elevado”, com esta “comunidade tão forte” em São José.
Na linha de pensamento do Chefe de Estado, uma das características mais salientes da comunidade luso-americana em São José, é indubitavelmente os esforços que a mesma, ao longo dos anos, tem levado a cabo na promoção do ensino do português. Uma mais-valia incalculável para a manutenção da vitalidade e dos vínculos da comunidade à pátria de origem, assim como para a magistratura de influência de Portugal na principal potência mundial.
Esforços na promoção do ensino do português, que ganham ainda maior relevância num período de nítido envelhecimento da comunidade portuguesa em São José, na esteira das demais comunidades luso-americanas, dada a acentuada redução do fluxo emigratório para os Estados Unidos.
Esforços que se encontram vertidos ao longo das últimas décadas no programa de estudos portugueses na Universidade de São José (SJSU), uma das mais antigas e relevantes instituições públicas de ensino superior da costa oeste da América, que no ocaso do mês passado celebrou 50 anos de existência.
A efeméride, que congregou várias forças vivas da comunidade luso-americana de São José, constituiu um momento propício para projetar o passado, o presente e o futuro deste programa estruturante na promoção do ensino do português no meio académico californiano. Desde logo, proporcionou reviver a ação fundadora de três importantes líderes comunitários, os dentistas Décio Oliveira e Manuel Bettencourt, e o advogado Joe Mattos, que conseguiram firmar o programa junto da SJSU, com a condição sine qua non da comunidade portuguesa financiar as despesas inerentes ao mesmo e assegurar o número suficiente de alunos ao seu profícuo funcionamento.
Simultaneamente, o quinquagésimo aniversário do programa de estudos portugueses na Universidade de São José na Califórnia, possibilitou enaltecer o trabalho fundamental dos docentes da língua portuguesa na instituição. Mormente, o labor pioneiro da Irmã Maria Amélia, dos professores Heraldo da Silva e Virgínia da Luz Tarver, e mais recentemente, da professora Deolinda Adão e do hodierno diretor do programa, professor Duarte Pinheiro, responsável por um projeto que conta atualmente com cerca de meia centena de discentes.
Honrando o passado, mas norteado no presente e na construção do futuro, o comendador Manuel Bettencourt, figura basilar das comemorações da efeméride. E uma das figuras mais gradas da comunidade portuguesa na Califórnia, conhecido profissional de medicina dentária, natural da ilha Graciosa, arquipélago dos Açores, que emigrou para a América no final dos anos 60 em demanda de melhores condições de vida, e cuja graduação foi obtida na SJSU, anunciou a doação de meio milhão de dólares para a prossecução do programa de estudos portugueses na Universidade de São José na Califórnia.
No passado, como no presente, mas sobretudo já com os olhos colocados no futuro, o destacado líder comunitário e dentista atualmente reformado, que sempre trabalhou de perto com os seus compatriotas, e demonstrou ao longo da sua vida uma faceta de apoio aos mais necessitados, continua assim a contribuir decisivamente para a manutenção do programa de estudos portugueses. E quiçá a inspirar outros luso-americanos a investir generosamente no ensino da língua portuguesa na Universidade de São José, um caminho fundamental para a união, coesão e porvir da comunidade portuguesa na Califórnia.
Recorde-se que no alvorecer do séc. XXI, a Universidade de São José na Califórnia, instituição que conta no presente com mais de 30 mil alunos matriculados em mais de 100 programas de bacharelato e mestrado, e se distingue por possuir a população estudantil etnicamente mais diversa nos Estados Unidos, firmou uma parceria com a Universidade dos Açores, estabelecimento público de ensino superior de referência no território arquipelágico de origem da maioria dos membros da comunidade portuguesa em São José.
Nesse sentido, o exemplo de vida e o recente gesto de incomensurável generosidade do comendador Manuel Bettencourt, em prol da comunidade luso-americana, eleva o alto sentimento patriótico adensado no pensamento de uma das figuras centrais da língua portuguesa, Fernando Pessoa: “Minha pátria é a língua portuguesa”.
Autor: Daniel Bastos, Historiador e Escritor