O acidente vascular cerebral (AVC), sendo uma doença em grande parte sujeita a prevenção, é ainda uma das principais causas de morte e morbilidade em Portugal. Na gíria, um AVC é apelidado de acidente pelo seu carácter agudo e imprevisível, mas tem, na maioria das vezes, causa nos fatores de risco vasculares modificáveis. Estes fatores de risco modificáveis incluem a hipertensão arterial, o tabagismo, a diabetes, as arritmias cardíacas (nomeadamente a fibrilação auricular) e o aumento do colesterol.
Sabe-se que 80% dos AVC seriam evitáveis com o rigoroso controlo destes fatores de risco. Neste contexto, relevo a importância de consultar de forma regular o seu médico de família. Claro que também há várias outras causas para se poder ter um AVC, nomeadamente em idades mais jovens, mas que são felizmente muito mais raras. São exemplos disso as doenças autoimunes, as disseções de artérias extracranianas, as malformações cardíacas e mais raramente doenças genéticas.
O risco de AVC aumenta com a idade e o seu número absoluto irá aumentar nos próximos anos devido ao envelhecimento da população, mesmo que haja melhor controlo dos fatores de risco.
Realço agora o elevadíssimo avanço técnico e científico adquirido nos últimos anos para tratar os doentes que sofreram um enfarte cerebral. Falo então da trombólise e da trombectomia, ferramentas de tratamento que quanto mais cedo utilizadas, maior o benefício clínico, de onde advém a expressão “tempo é cérebro”. A trombólise é um tratamento endovenoso que dissolve o trombo responsável pela isquemia cerebral, possível de utilizar nas primeiras 4,5 horas.
A trombectomia é um tratamento endovascular ou cateterismo arterial, possível de utilizar até às 24h, mas apenas disponível em alguns centros do país para onde os doentes são transferidos nas situações em que há benefício comprovado nesse tratamento. Saliento também a importância dos cuidados após os tratamentos agudos nas unidades de AVC, que são espaços físicos e equipas dedicadas exclusivamente ao tratamento de doentes com AVC agudo, com benefício mais que comprovado há vários anos no prognóstico destes doentes.
Como o tempo é essencial no tratamento do AVC agudo, chegamos então ao conceito de Via Verde. Esta foi criada para que não se perca tempo na administração do tratamento adequado a cada doente. Começa sempre no reconhecimento dos défices neurológicos agudos, seja pelo doente ou por uma pessoa (familiar ou não) que assista ou encontre assim o doente. Nestas circunstâncias, quando perante alguém com um defeito neurológico agudo, nomeadamente com assimetria da face, com alteração da fala ou com fraqueza de um lado do corpo, o que deveremos fazer sempre é chamar o 112. Só dessa forma se pode preparar tudo no hospital para que, na tal Via Verde, não se perca tempo.
Finalmente o AVC é uma doença que não causa só fraqueza de um lado do corpo ou dificuldade em falar. Há imensos outros défices neurológicos, muito relevantes para o doente e sua família. Falo do defeito cognitivo e da depressão pós-AVC, por vezes subtis, mas com consequências graves na capacidade de regressar ao trabalho, às suas atividades habituais, à condução de veículos, de ter uma vida social ativa, de ter uma atividade sexual saudável… em resumo, de ter qualidade de vida. E essa é a chave de quem cuida dos doentes com AVC. Seja na Via Verde (evitando o dano), seja na consulta (estudando causas e consequências do AVC), seja na reabilitação (melhorando a funcionalidade), todos nós devemos atender à melhor qualidade de vida de cada doente.
Autor: Rui Felgueiras, Neurologista do CNS – Campus Neurológico na Unidade de Braga