João Inácio de Sousa: um memorável filantropo de origem açoriana na Califórnia

Daniel Bastos, Historiador e Escritor
Daniel Bastos, Historiador e Escritor. Foto: DR

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, destaca-se atualmente pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados em Massachusetts, Rhode Island, Nova Jérsia e Califórnia. É neste último estado, que vive e trabalha a maior comunidade luso-americana do país, constituída por mais de 300 mil pessoas, e cuja presença histórica no oeste dos EUA remonta à centúria oitocentista, aquando da corrida ao ouro, da dinamização da pesca da baleia e do atum, e mais tarde das atividades ligadas à agropecuária.

É neste ciclo emigratório oitocentista, que se enquadra o percurso de vida do insigne filantropo luso-americano de origem açoriana, João Inácio de Sousa (1849-1925), cujo monumento em sua homenagem, testemunho de gratidão da Santa Casa da Misericórdia de Velas, pontifica desde a primeira metade do séc. XX, na praça principal desta vila situada na ilha de São Jorge.

Estátua de João Inácio de Sousa, Velas, ilha de São Jorge
Estátua de João Inácio de Sousa, Velas, ilha de São Jorge. Foto: DR

Natural da freguesia de Santo Amaro, município de Velas, John Enas como era conhecido nos Estados Unidos, almejou fortuna na área agrícola, petrolífera e bancária em Bakersfield, no condado de Kern. Foi nesta cidade do interior da Califórnia, onde veio a falecer e se encontra sepultado, que legou grande parte da sua fortuna à Santa Casa da Misericórdia de Velas e ao Asilo de Mendicidade de São Jorge, hoje denominado Casa de Repouso João Inácio de Sousa.

Segundo o obituário do jornal centenário The Bakersfield Californian, cujas datas de nascimento e falecimento do benemérito luso-americano de origem açoriana diferem das que se encontram na Estátua de João Inácio de Sousa, em Velas (o diário californiano, aponta que o mesmo nasceu em 1852, e que faleceu em 1924, com 71 anos de idade). John Enas chegou aos Estados Unidos em 1861, mormente ao condado de Stanislaus, onde trabalhou na tosquia de ovelhas.

Em 1873, estabeleceu-se em Delano, no condado de Kern, onde adquiriu rebanhos e dedicou-se à criação de ovelhas. Já em 1881, fixou-se em Bakersfield, onde comprou grandes propriedades agrícolas, várias delas terras petrolíferas no campo do rio Kern, onde chegaram a ser explorados mais de uma dezena de poços de petróleo.

No início do séc. XX, o luso-americano associou-se à atividade bancária, tendo sido eleito vice-presidente e diretor do Banco Luso-Americano de São Francisco; administrador do Bank of Bakersfield; e ocupou um cargo no conselho de administração da empresa Security Trust até ao momento da sua morte.

Na esteira das informações constantes do obituário do jornal centenário The Bakersfield Californian, o proeminente banqueiro, militante do Partido Republicano e proprietário de Bakersfield de origem açoriana, deixou ao conselho de administração do fundo do Abrigo para Crianças do condado de Kern, 2.500 dólares. Ao bispo da diocese de Los Angeles e Monterey, o membro do capítulo de Bakersfield dos Cavaleiros de Colombo, a maior organização de católicos do mundo, testou 10 mil dólares.

Na linha do diário californiano, para o seu torrão natal, foi legado ao Hospital da Misericórdia das Velas, 100 mil dólares. E ao Asilo de Mendicidade de São Jorge, hoje denominado Casa de Repouso João Inácio de Sousa, mais de 100 mil dólares. O mesmo meio de comunicação, apontava ainda que a maior parte do património do capitalista luso-americano, avaliado em cerca de 700 mil dólares, seria para a sua única irmã, Ana Josefa, natural de Santo Amaro, na ilha açoriana de São Jorge. E que o mesmo nomeara como seu executor testamentário, JA Silveira, presidente do Banco Luso-Americano e da empresa Security Trust.

Uma das figuras luso-americanas mais proeminentes do primeiro quartel do séc. XX, o exemplo e percurso de vida de João Inácio de Sousa, é indubitavelmente uma centelha inspiradora do passado, presente e futuro das comunidades luso-americanas da Califórnia, o estado com maior diáspora de origem portuguesa nos Estados Unidos.

Autor: Daniel Bastos, Historiador e Escritor