Simultaneamente alerta e repto, o tema deste Dia Internacional da Mulher veicula uma oportuna dinâmica de exigência e esperança.
Se, numa primeira leitura, o que mais se destaca é o motivo principal da celebração do dia – a defesa dos direitos das mulheres – a reflexão sobre o mesmo conduz-nos a um horizonte mais amplo: a viabilização de um futuro para as novas gerações.
A sustentabilidade só acontecerá mediante a ultrapassagem do antropocentrismo em que estamos mergulhados. Pelas características que lhe são inerentes, a Mulher está especialmente posicionada para esta transformação. O abandono desinteressado do que é autorreferencial não lhe é estranho, acontece iterativamente no seu quotidiano.
Dividindo o par, felizmente em muitas nações, as tarefas domésticas, não é desajustado dizer que a Mulher continua a desempenhar o papel de curadora da casa, vigilante do bem-estar de todos. Por extensão, o cuidado e a estima pela “Casa Comum” granjeiam o seu interesse e empenho, no desejo de um planeta habitável para todos os seres vivos.
Um novo estilo de vida não se impõe por decreto, não acontece espontaneamente, alicerça-se na mimetização de pequenos gestos e de sábias escolhas. A ação pedagógica da Mulher, enquanto cidadã, profissional, mãe e decisora, é fundamental para uma revolução cultural que nos coloque na senda do sustentável. Quando abandona a lógica do descartável (não só em relação aos objetos), quando opta por um consumo racional, quando ensina o respeito pelos espaços e bens comuns, quando contribui para a preservação do ambiente, está a ser protagonista dessa mudança.
Por outro lado, instalada entre nós uma atmosfera de perplexidade e desalento, urgem redutos de confiança e de tenacidade. Também neste plano, a Mulher demonstra capacidade de reposicionar valores, fundear a esperança e imprimir um novo rumo ao curso dos dias. Sabe o que são longas esperas, conhece bem a função de incentivar, corrigir com firmeza e afeto.
Se no perímetro estritamente familiar esta ação geralmente não encontra entraves, outro tanto não acontece, ainda, no âmbito profissional ou na esfera social e política, onde a Mulher é preterida para postos de decisão ou áreas de intervenção de grande impacto. Fica, assim, excluída a oportunidade de imprimir o seu cunho de eficiente atenção a todos, de pugnar pela reabilitação dos recursos e por uma cultura do belo. Não tem possibilidade de intervir nas decisões que, em detrimento dos lucros financeiros – de uma minoria -, libertem o planeta e seus habitantes de tudo o que o sufoca e suja.
Acresce também salientar que nas regiões especialmente carenciadas e atingidas pelas consequências das alterações climáticas são as mulheres as “mais vulneráveis a esses impactos e constituem a maioria dos pobres do mundo; são mais dependentes dos recursos naturais” (in https://www.onumulheres.org.br/).
Por isso, é preciso lembrar que permanece necessário ampliar e intensificar as iniciativas de sustentabilidade já implementadas por mulheres, como a que acontece no Malawi, com plantação de feijão tolerante à seca.
É urgente não ceder à preguiça da perpetuação de um status quo em que apenas o que é próprio interessa ou se fica pela descomprometida defesa (virtual) da Terra.
Na medida em que atuarmos e formarmos no sentido da responsabilização, no horizonte de um dia-a-dia mais simples e numa visão de interesse global, estaremos a garantir que não se torne impossível a sobrevivência planetária.
Dia Internacional da Mulher será então muito mais do que apenas uma data…
Autora: Olga Gonçalves, Coordenadora Médica da Unidade de Hospitalização Domiciliária do Centro Hospitalar Gaia/Espinho e membro da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna