“Os Cuidados Paliativos visam a melhoria da qualidade de vida de doentes e suas famílias, relacionada com problemas associados a doenças incuráveis, através da prevenção e tratamento de sintomas, físicos, psíquicos e espirituais.” (Organização Mundial da Saúde)
Os Cuidados Paliativos são definidos como cuidados globais e holísticos, abrangendo o doente e a família (estando aqui o termo família não relacionado com consanguinidade, mas com quem compartilha a vida). São cuidados direcionados à doença física, mas também englobando outras dimensões do ser.
A filosofia dos cuidados paliativos remonta à Idade Média e ao tempo das Cruzadas, em que no caminho das peregrinações surgiram os hospices para apoiar e cuidar os doentes e peregrinos. Ainda com conexão a ordens religiosas, no século XIX surgem na Europa estruturas para cuidar de doentes terminais, sendo que em algumas delas também se alargava esse cuidado ao domicílio. Pouco tempo depois esta ideia aparece também do outro lado do Atlântico.
Mas a génese dos Cuidados Paliativos atuais, tidos como “científicos”, surge no Reino Unido, com Cicely Saunders. Foi ela que implementou a primeira estrutura de saúde destinada a prestar Cuidados Paliativos como hoje os entendemos: o St. Christopher Hospice, que se mantém até a atualidade. Em 1990 são publicadas as primeiras orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) relativas aos Cuidados Paliativos, ainda que relacionados com doentes com cancro (Cancer Pain Relief and Palliative Care – Report of a WHO Expert Committee). A expansão na Europa dá-se de forma assimétrica, com o Reino Unido e países nórdicos na vanguarda dos cuidados. Contudo, hoje podemos afirmar que na Europa há cobertura de Cuidados Paliativos. É em alguns países reconhecida a prestação de Cuidados Paliativos médicos como uma especialidade, na grande maioria é definida uma competência nesta área.
A intervenção dos Cuidados Paliativos é vasta, abrangendo todos os doentes que se encontram perante uma situação irreversível e englobando a sua envolvência psicossocial. Por isso, devem estar presentes de forma universal nos cuidados de saúde, serem formados por equipas multiprofissionais, que trabalham de forma interdisciplinar. Só deste modo é possível dar uma resposta capaz às necessidades presentes.
As equipas de Cuidados Paliativos são peritas em praticar um adequado controlo sintomático, devendo saber identificar e tratar os sintomas. Devem saber manejar de forma exímia os fármacos (e também terapêuticas não farmacológicas) para controlo de dor, dispneia e outros sintomas prevalentes. É essencial a perícia em comunicação, saber como transmitir más notícias ou contornar conspirações de silêncio. O apoio à família numa situação de intenso desgaste emocional, inclui desde o ajudar na orientação das atividades do dia-a-dia até o apoio emocional, o que implica uma característica própria dos profissionais de Cuidados Paliativos, que é a capacidade de uma enorme empatia. Apesar de todos os profissionais das equipas terem as competências básicas que lhes conferem a capacidade de responder às várias solicitações do doente e cuidador, há grupos profissionais com competências próprias em cada uma das diferentes áreas, sendo por isso o trabalho interdisciplinar indispensável para uma resposta mais capaz.
Mas não são apenas as equipas de Cuidados Paliativos que prestam estes cuidados. A filosofia dos Cuidados Paliativos, de privilegiar a qualidade de vida, está implícita desde o início do diagnóstico de uma doença incurável, oncológica ou não oncológica, como são as insuficiências de órgão ou doenças neurológicas, assumindo estes cuidados um papel mais relevante à medida que a doença progride. O cuidar quando não é possível tratar, e o saber implementar ações paliativas, é uma competência de todos os profissionais de saúde. As equipas de Cuidados Paliativos devem sobretudo acompanhar situações complexas e dar consultoria e formação a outros profissionais/equipas de saúde.
Com a maior esperança de vida e com o aumento concomitante das doenças crónicas e incuráveis, é de esperar que os Cuidados Paliativos estejam cada vez mais presentes na nossa vida. Exigir que os Cuidados Paliativos estejam presentes nos sistemas de saúde e que sejam cuidados de qualidade deve ser uma preocupação de cada um de nós enquanto cidadãos. Para que possamos esperar que amanhã sejamos tratados, nós e os outros, com dignidade.
Autora: Maria do Céu Rocha, Internista e Coordenadora Adjunta do NEMPal
O Núcleo de Estudos de Medicina Paliativa (NEMPal) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) centra a sua atuação na investigação, formação e consciencialização de profissionais de saúde e da população no âmbito da medicina paliativa. Este grupo é constituído por Internistas associados da SPMI.