Numa época em que a tecnologia e inteligência artificial assumem um papel cada vez mais importante nos cuidados de saúde, a comunicação continua a ser uma peça chave de todo o processo de abordagem do doente. Ela é essencial desde a fase inicial de avaliação e diagnóstico, durante o tratamento, e funciona entre médico e doente, mas também entre intervenientes de uma equipa que deve ser multidisciplinar. Deveria ainda funcionar entre sistemas de saúde entre os quais o doente possa ter de transitar.
As doenças neurológicas, que abrangem um espectro distinto de condições, desde a Doença de Alzheimer, à Doença de Parkinson, Epilepsia, Acidente Vascular Cerebral e Esclerose Múltipla, são doenças complexas que afetam por vezes a funcionalidade, bem-estar e autonomia dos doentes. O diagnóstico e tratamento podem ser processos demorados e difíceis, sendo uma comunicação eficaz facilitadora e tranquilizadora para o doente e família.
A princípio, é a partir do diálogo que o doente expressa os seus sintomas e eventos, que permitem ao médico reconstituir a história da doença, questionar detalhes que possam ajudar a chegar ao diagnóstico e eliminar outras hipóteses diagnósticas. Ao médico podem interessar não só dados da doença atual, como também outras doenças mais antigas ou mesmo da história familiar. Nem sempre o doente consegue fornecer uma história fidedigna e nesse caso os familiares são peças determinantes no estabelecimento de uma cronologia, de fornecimento de detalhes e nuances que permitem completar o puzzle do diagnóstico de uma doença neurológica.
Por outro lado, este espaço de comunicação tem de ser um espaço de conforto para o doente e familiares. Onde estes se sintam seguros no que diz respeito à confidencialidade dos dados que transmitem; ao respeito pelas suas crenças, valores, emoções e experiências; onde possam esclarecer as suas dúvidas sobre a doença e ter respostas claras. Nem sempre as respostas trazem segurança em relação ao futuro da doença e, por isso, é importante que haja uma relação sólida e de confiança e que o doente se sinta acompanhado, mais do que seguido numa consulta.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, entramos na fase de planear o tratamento e seguimento. É essencial que o doente entenda a utilidade ou efeito do tratamento que propomos. É importante definir um plano de cuidados personalizado que o doente se sinta motivado e capaz para o executar. Para doenças como a Diabetes e Hipertensão Arterial, que são por vezes assintomáticas, não causando desconforto para o doente, é necessário que o doente entenda a razão que nos leva a tratá-las, que é a Doença Cardiovascular – Enfartes do Miocárdio, Acidentes Vasculares Cerebrais, entre outras. O mesmo se passa na Doença de Parkinson, em que o plano de cuidados pode incluir que a medicação seja tomada num horário rigoroso, que o doente tenha um plano de exercício físico acompanhado por um fisioterapeuta, siga um plano nutricional ou tenha até uma vida social ativa. A adesão do doente a cada proposta terapêutica, dependente da compreensão da sua utilidade.
Os cuidadores são elementos fundamentais no acompanhamento dos doentes com doença neurológicas. Um cuidador bem informado acerca da doença consegue dar um suporte adequado. É um elo de ligação aos profissionais de saúde e é também um observador e transmissor de informação. É capaz de percecionar as flutuações da doença e acompanhar o dia a dia, permitindo o reajuste do plano de intervenção a cada consulta.
Os cuidadores são também eles, afetados pela doença, sendo a exaustão do cuidador um problema frequente sobretudo nos doentes cujo cuidador é o familiar direto e o doente apresenta alterações do comportamento. Nestes casos, é importante que também ele se sinta acompanhado e posso encontrar o suporte necessário, quer seja nos profissionais de saúde, quer seja na comunidade.
Algumas doenças neurológicas como a demências podem apresentar em estadio avançado, perda de autonomia e capacidade de decisão. Nestas circunstâncias, em que o doente não consegue tomar decisões acerca de si próprio e dos seus bens, é facilitador que a família ou o cuidador sejam conhecedores da vontade do doente. Uma família e um doente informados, conseguiram antecipar algumas decisões futuras, como a decisão de colocar uma via alternativa de alimentação. Em casos particulares, a diretiva antecipada de vida pode ajudar a tomar decisões em momentos críticos e evitar que o doente seja submetido a tratamentos invasivos numa fase terminal da doença.
Em conclusão, a comunicação clara é crucial no diagnósticos e tratamento das doenças neurológicas. Permitem o esclarecimento de todos os intervenientes no processo de seguimento da doença, e uma maior adesão e avaliação das intervenções terapêuticas. Um doente e um cuidador informado são melhores gestores da doença. A existência de um canal de comunicação aberto entre profissionais de saúde e doentes facilita a superação dos desafios impostos pela doença neurológica.
Autora: Rita Miranda, médica internista no CNS – Campus Neurológico, Coordenadora da Unidade de Medicina Interna