… com factos hediondos ocorridos no Uíge, a norte de Angola, no dia 15 de março desse corrente ano.
O relatório em causa continha fotografias originais de algumas famílias de portugueses assassinados à catanada e de um grande número de corpos de angolanos do movimento UPA que lutava pela autodeterminação de Angola. O número de angolanos mortos pelos portugueses constantes nas fotografias desse relatório é impressionante; apresentavam-se amontoados da forma como nos habituámos a ver nos filmes dos campos de concentração da 2ª guerra mundial e muito provavelmente prontos para serem levados para valas comuns.
O relatório de Custódio Ramos para Adriano Moreira aborda o modo “desprotegido” como alguns portugueses viviam no meio do mato e também a forma “desarmada” com que os angolanos atacavam os portugueses, muitas vezes sob efeito de drogas, o que os levava a pensar que as balas dos “brancos” não lhes causariam a morte.
Este relatório, de que existe uma cópia no Museu Militar em Lisboa, leva-me a pensar se a abordagem que o ministro Adriano Moreira fez a António Salazar foi a mais “Humana” para poder resolver o conflito sem sujar as mãos de sangue, com uma guerra que custou muitas vidas aos portugueses, além dos traumas ainda existentes nos ex-combatentes.
É inestimável o contributo que Adriano Moreira deu para a consolidação da democracia, o contributo ideológico que deu para o CDS, apesar dos 4% obtidos em eleições, e toda a sua visão incomparável da política internacional em tempos de democracia, mas de facto ter estado numa posição “Estado” que desencadeou a célebre frase “Para Angola rapidamente e em força” não me parece ter sido a mais correta para um ministro com espírito tolerante e democrático com aspirações à política ativa posterior.
Este relatório confirma que toda a ação de estratégia da UPA constante no relatório de Custódio Ramos estava a ser feita a partir do “Congo Belga” e não em território angolano. Este relatório continha também panfletos distribuídos pela UPA com referências aos patrocínios das grandes potências protagonistas da “Guerra Fria” e uma carta dirigida ao ministro Adriano Moreira dando conta do árduo trabalho dos poucos portugueses que se iam defendendo com armas de fogo dos ataques da UPA e construindo pistas de aterragem para os aviões poderem largar mantimentos naquela zona inóspita, onde o mau tratamento por parte dos portugueses de alguns trabalhadores angolanos nas plantações de café foi a “gota de água” que fez transbordar o copo de uma colonização agressiva neste género de trabalhos agrícolas.
Este relatório, que parece quase uma “tese de doutoramento” devido à sua extensão e pormenor, não me parece ser facilmente esquecido por alguém que o tenha lido, apesar de ter sido elaborado há mais de 50 anos, o que pelo seu valor histórica já nos dá “liberdade” para o analisar com distanciamento temporal que a História exige.
Autor: Paulo Freitas do Amaral, Professor de História