O tempo vai decorrendo, e, de forma mais ou menos repentina, verificamos que já passaram mais de 40 anos sobre o diagnóstico do primeiro caso de infecção pelo VIH em Portugal.
Posteriormente, em 1988, o dia 1 de dezembro seria instituído pela OMS e a Assembleia Geral das Nações Unidas como o Dia Mundial de Luta contra a SIDA.
Em 2024, continuamos a querer assinalar esta data por muitas e diversas ordens de razão. Há questões a que não podemos fugir e cujas respostas não são as que mais gostaríamos de dar. Senão vejamos:
A “pandemia VIH” está controlada?
Apesar de todos os avanços, não podemos fazer esta afirmação. Continuam a aparecer nas nossas consultas novos casos de doença VIH, muitos em estádios avançados. Isto significa que a cadeia de transmissão não foi cortada e a testagem é insuficiente. Este corte na cadeia seria possível se todos os casos estivessem diagnosticados, em tratamento e com viremias indetectáveis no sangue. UMA PESSOA COM CARGA VIRAL INDETECTÁVEL NÃO TRANSMITE O VÍRUS.
A generalidade da população está bem informada sobre esta patologia?
Infelizmente isto ainda não é uma realidade. O desconhecimento em relação às formas de transmissão e de prevenção continua a gerar comportamentos de risco que seriam evitáveis. Temos de saber que uma única relação sexual não protegida pode transmitir o vírus; que não é pelo aspecto exterior que se afere se alguém é ou não portador do VIH; que todas as idades podem contrair o vírus, numerosos novos doentes nos chegam com idades entre os 60 e 80 anos; todos deveríamos ser testados para o VIH pelo menos uma vez na vida e sempre que existam comportamentos de risco.
Já não existe discriminação contra os doentes por terem VIH?
Infelizmente existe. Por vezes até em locais onde todos os doentes deveriam estar mais protegidos, como os Hospitais. A génese deste estigma está no medo e no desconhecimento. Tal como na questão anterior, a ignorância em relação às formas de transmissão está na origem destes comportamentos. Não é demais reafirmar sempre que o vírus NÃO SE TRANSMITE por abraços, beijos, saliva, talheres, utensílios, contactos sociais do dia-a-dia…
Por outro lado, muito foi feito e houve grandes progressos ao longo destes anos:
- A terapêutica antiretrovírica tem grande eficácia, na maior parte dos casos com um único comprimido diário.
- O controle virológico e imunitário sob terapêutica possibilita que falemos numa doença crónica controlável, não numa doença fatal como há 30 anos.
- A disponibilização de Profilaxia Pré Exposição, PREP, pode prevenir a transmissão da doença nalguns grupos específicos.
- A disponibilização de Profilaxia Pós Exposição. PEP, reduz a possibilidade de transmissão após um contacto de risco.
- A transmissão através da utilização de Drogas endovenosas teve uma drástica redução, graças aos programas virados para esta população no final do século XX.
- A transmissão vertical, de mãe para filho durante a gravidez ou o parto, praticamente desapareceu em Portugal, sendo os últimos raros casos alvo de investigação. O rastreio e terapêutica durante a gravidez é fundamental.
- Aparecem agora novas formas de tratamento, consistindo nomeadamente em duas injecções intramusculares de 2-2 meses, sem comprimidos.
Os objectivos actuais nos cuidados às pessoas que vivem com o VIH continuam a ser o controle virológico e imunológico, mas também vão muito para lá destes propósitos. O bem-estar global e o controle de outras doenças associadas constituem uma meta fundamental. É neste sentido que as numerosas unidades espalhadas pelo país exercem a sua actividade. Especialistas em Medicina Interna, Infecciologia ou outras especialidades trabalham diariamente para o controle desta patologia e de todas as comorbilidades a ela associada.
Da parte da população, a procura de informação, o rastreio sistematizado e o apoio sem discriminação são os comportamentos que realmente todos gostaríamos de ver generalizados.
A todos um feliz Primeiro de Dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a SIDA.
Autor: Fausto Roxo, Médico, Coordenador do Núcleo de Estudos da Doença VIH da SPMI