O cérebro é a caixa-negra do nosso organismo. Vê, sente e regista tudo, a toda a hora e em qualquer lugar. Todas as nossas experiências e vivências deixam uma marca indelével neste órgão que sofre em surdina. Todos os excessos – na dieta, no tabaco e no álcool – e todos os defeitos – de atividade física, estímulo cognitivo, sono e interação social – são como areia na engrenagem que vai desgastando aos poucos a complexa máquina que é o cérebro. Deste efeito cumulativo resultam as doenças do cérebro que, em grande parte, são o corolário de vários erros sistemáticos que vamos cometendo. O sal que colocamos a mais na nossa comida, a tablete de chocolate que era só um quadradinho, o copo de vinho que afinal são vários ao almoço e jantar, o exercício físico que começa amanhã, o sono que vai ser reposto ao fim-de-semana, os medicamentos para a tensão alta que só são tomados na véspera da consulta. O cérebro não cai nestas mentiras e cobra-nos, com juros muito elevados e sob a forma de doenças graves (algumas incuráveis), todos os empréstimos de saúde que lhe fomos pedindo ao longo de décadas.
No, dia 22 de julho, celebramos o Dia Mundial do Cérebro, precisamente com o tema “Brain health and prevention: protecting our future”. Importa, por isto mesmo, lembrar que a nossa saúde é tão somente aquela a que o nosso cérebro nos permitir. Este órgão é o nosso único garante de individualidade, autonomia e dignidade. É ele que nos torna únicos. Preservá-lo através de uma vida saudável é proteger o nosso futuro e o futuro de quem mais amamos. Porque, se não nos cuidarmos no presente, sobrará para alguém no futuro.
Para mudarmos de vida e protegermos o nosso cérebro e o nosso futuro, ontem já era tarde. Mas nunca é tarde demais.
Autor: João André Sousa, Neurologista, Unidade Local de Saúde de Coimbra, Membro Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC)