No seio da fértil cultura marítima açoriana, a baleação, também conhecida como pesca ou caça às baleias, ocupa um papel basilar na memória coletiva de muitas localidades açorianas, em particular, na ilha do Pico, o grande centro do antigo complexo baleeiro insular.
As raízes históricas da baleação açoriana remontam ao ocaso do séc. XVIII quando navios baleeiros da Nova Inglaterra, região no nordeste dos então recém-independentes Estados Unidos da América (EUA), que abrange os estados de Maine, Vermont, Nova Hampshire, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island, recrutavam no arquipélago tripulação para as suas longas campanhas.
A experiência adquirida a bordo dos navios americanos foi decisiva para o estabelecimento da atividade baleeira nos Açores, uma atividade indissociável da cultura e da história arquipelágica, ou no conceito de Vitorino Nemésio da açorianidade.
Uma atividade que tendo perdurado até ao termo da década de 1980, época em que Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a caça comercial seria entretanto proibida pela Comissão Baleeira Internacional, foi concomitantemente percursora da diáspora açoriana nos EUA, cuja presença no território se adensou a partir da segunda metade do séc. XIX, através da emigração de milhares de açorianos ligados aos negócios da pesca da baleia.
Um dos exemplos paradigmáticos do fenómeno migratório açoriano para a América impulsionado pela baleação encontra-se em New Bedford, uma cidade costeira situada no estado de Massachusetts. Com uma população de 100 mil habitantes, da qual cerca de 40% terá ascendência portuguesa, os pescadores açorianos constituíram a primeira vaga da imigração lusa em New Bedford a partir de 1870, época em que a cidade que detém um dos portos de pesca mais importantes dos EUA era um centro mundial da indústria baleeira.
Este relevante legado histórico esteve na base da edificação do Museu da Baleação de New Bedford, um espaço administrado pela Sociedade Histórica Old Dartmouth, fundada em 1903, e que tem como principal missão avançar no entendimento da influência da indústria baleeira e do porto de New Bedford na história, economia, ecologia, artes e culturas da região, da nação e do mundo.
Foi nesse sentido que, em 2010, foi inaugurado no Museu da Baleação de New Bedford, uma ala dedicada aos baleeiros dos Açores, designada de Galeria do Baleeiro Açoriano, e que se assume como o único espaço de exposição permanente nos EUA que presta homenagem aos portugueses, mormente açorianos, e o seu significativo contributo para a herança marítima norte-americana.
O projeto da Galeria do Baleeiro Açoriano teve a sua génese em 1999, quando a saudosa professora universitária luso-descendente, Mary T. Vermette, apresentou uma proposta ao então ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, para que Portugal ajudasse a abrir o núcleo museológico. Diligência que levou o Estado português a aprovar uma contribuição de cerca de 700 mil dólares, e o Governo dos Estados Unidos a contribuir com 1,2 milhões para a renovação da ala do museu dedicada à galeria.
Constituída por mais de uma centena de objetos, a Galeria do Baleeiro Açoriano além de conter peças de arte, artefactos, filmes e fotografias sobre os laços marítimos, culturais e sociais que unem os dois lados do Atlântico, homenageia ainda figuras históricas da comunidade açoriana de New Bedford, designadamente marinheiros, mestres, proprietários de embarcações e empresários marítimos.
Mais recentemente, através de fundos provenientes de uma bolsa atribuída pela fundação William M. Wood, criada por um magnata da indústria têxtil filho de um baleeiro açoriano, a Galeria do Baleeiro Açoriano foi enriquecida com dois relevantes elementos, nomeadamente um modelo em grande escala de um bote baleeiro açoriano e um posto de vigia recriado.
Como realça Ricardo Manuel Madruga da Costa, em A ilha do Faial na logística da frota baleeira americana no “Século Dabney”, a Galeria do Baleeiro Açoriano no Museu da Baleação em New Bedford, constitui “um admirável tributo que retrata, com criterioso uso de recursos ao nível das peças e da icnografia expostas, o que representou, de facto, a presença tão significativa do baleeiro das ilhas dos Açores”.
Autor: Daniel Bastos, Historiador e Escritor