Na senda das vagas contemporâneas de emigrantes portugueses para vários países do mundo, evidencia-se o ciclo transatlântico na passagem do séc. XIX para o séc. XX, e que teve como principal destino o Brasil.
Pressionados pela carestia de vida e baixos salários agrícolas, mais de um milhão de portugueses entre 1855 e 1914 atravessaram o oceano Atlântico, essencialmente seduzidos pelo crescimento económico da antiga colónia portuguesa. Procedente do mundo rural e eminentemente masculino, o fluxo migratório foi particularmente incisivo no Minho, um dos principais torrões de origem da emigração portuguesa para o Brasil.
Enobrecidos pelo trabalho, maioritariamente centrado na atividade comercial, e após uma vintena de anos geradores de um processo de interação social que os colocou em contacto com novas realidades, hábitos, costumes e posses, o regresso de “brasileiros de torna-viagem” a Portugal, trouxe consigo um espírito burguês empreendedor e filantrópico marcado pela fortuna, pelo gosto de viajar, e pelo fascínio cosmopolita da cultura e língua francesa.
Ainda que sintomática das debilidades estruturais do país, a emigração portuguesa para o Brasil entre o séc. XIX e XX, facultou através do retorno dos “brasileiros de torna-viagem”, os meios e recursos necessários para a transformação contemporânea do território nacional, com particular incidência no Noroeste de Portugal.
Como menciona Miguel Monteiro, no artigo O Museu da Emigração e os “Brasileiros” do Rio: o público e o privado na construção de modernidade em Portugal, recuando à segunda metade do séc. XIX, encontramos nos “brasileiros” aqueles que alcançando fortuna no Brasil, “construíram residências, compraram quintas, criaram as primeiras indústrias, contribuíram para a construção de obras filantrópicas e participaram na vida pública e municipal, dinamizando a vida económica, social e cultural”.
Estas marcas identitárias do ciclo do retorno dos “brasileiros de torna-viagem”, encontram-se singularmente presentes no centro urbano de Fafe, uma cidade do interior norte de Portugal, situada no distrito de Braga, no coração do Minho, nomeadamente, ao nível arquitetónico, onde sobressaem belos edifícios e palacetes.
Estas antigas moradias, símbolos da afirmação, do prestígio dos “brasileiros de torna-viagem” e da sua fortuna, apresentam-se rebocadas e caiadas, ou cobertas com azulejos, estando presentes as cores do Brasil, com beirais de faiança, varandas estreitas com guardas de ferro forjado ou fundido, claraboias e estatuetas, átrios decorados com azulejo e escadarias de madeiras preciosas. Ao nível do seu interior, como sustenta Alda Neto em As Casas de Brasileiros: os movimentos migratórios e a construção de itinerários no Norte de Portugal, este é “é ocupado por um mobiliário rico, pela decoração das paredes inspirada nos postais ilustrados trazidos do Brasil, por porcelanas inglesas compradas através dos catálogos existentes na época. Os estuques são um outro elemento utilizado na decoração do interior destes edifícios. Estes são utilizados na decoração dos tetos e das paredes das principais divisões da casa, nomeadamente as salas de jantar e de estar. Os principais temas representados são animais e objetos característicos ou mesmo simbólicos ou motivos florais e geométricos”.
A arquitetura dos “brasileiros de torna-viagem” é hoje um dos ex-libris da “Sala de Visitas do Minho”, e um dos elementos centrais que impulsionaram o Município de Fafe a instituir no clarear do séc. XXI o Museu das Migrações e das Comunidades. Um espaço museológico, percursor no seu género em Portugal, que assenta a sua missão no estudo, preservação e comunicação das expressões materiais e simbólicas da emigração portuguesa, detendo-se particularmente na emigração para o Brasil na transição do séc. XIX para o séc. XX.
Autor: Daniel Bastos, Historiador e Escritor