Dos 73 locais para visitar que constavam do roteiro oferecido pelo ‘Open House Lisboa’, escolhemos o Palácio Valle Flor. Não havia um motivo especial para esta escolha, mas poder conhecer um dos mais emblemáticos palácios de Lisboa, que ainda há poucos anos se encontrava em mau estado de conservação e depois foi transformado num hotel de luxo, o ‘Pestana Palace Hotel’, onde já ficaram hospedados reis e rainhas, estrelas de música e da 7ª arte e presidentes de vários países, é sempre uma oportunidade a não perder.
Ainda não eram 9 horas da manhã de domingo e já o número de interessados para a visita, marcada para as 10 horas, estava completo. De acordo com o que vinha na informação do ‘Open House’, o número estava limitado a 15 pessoas que eram recebidas por ordem de chegada. Muitas outras pessoas continuaram a chegar, mas tiveram de escolher outros possíveis locais do vasto roteiro que o ‘Open House’ oferecia para aquele dia.
Há hora prevista, Zita Magalhães, que se voluntariou na ‘Open House’ para comentar a visita, deu a mesma por iniciada há hora marcada, mas antes de sairmos do átrio de entrada fez questão de nos introduzir a personagem que foi o Marquês de Valle Flor, pois “sem conhecermos aquele que foi o dono da casa não compreenderemos muito do que a visita nos pode mostrar”, esclareceu.
José Luís Constantino Dias, “um transmontano de Murça”, pois “tinha de ser um transmontano. Os transmontanos são caraterizados por serem trabalhadores, ambiciosos e inteligentes”, frisou Zita Magalhães, “emigrou em 1871 para São Tomé e Príncipe. De trabalhador empregado tornou-se dono da Roça ‘Boa Vista’, e daí a produtor e comerciante de cacau. Um empresário de sucesso”.
Zita Magalhães falou-nos de São Tomé e Príncipe, do trabalho, do cacau, do povo que valoriza, mas confessou: “Nunca estive em São Tomé e Príncipe, tudo o que conheço é dos livros”. E, ao que nos pareceu, conhece muito.
Em 1890, José Luís Constantino Dias viria a receber do Rei D. Carlos I, o título de Marquês de Valle Flor, altura em que adquiriu os terrenos e onde veio a mandar construir o palácio para habitação. Coube ao arquiteto italiano Nicola Bigaglia dar início à construção do Palácio de Valle Flor, mas foi o arquiteto José Ferreira da Costa que a partir de 1910 o veio a terminar, lembrou a nossa guia.
O grupo Pestana adquiriu o palácio em 1992, restaurou-o e transformou-o num Hotel de luxo. O projeto de restauro foi da responsabilidade de Manuel Tainha.
Zita Magalhães conduz-nos do átrio de mármores polícromos pela escadaria de dois lanços simétricos ao nível do primeiro piso, e introduz-nos na leitura dos vitrais, onde podemos ver figuras simbólicas de mitologias, ícones que nos transportam para a história, para representações simbólicas do tempo e trabalho do empresário que foi o Marquês de Valle Flor.
Ao entrarmos na primeira sala, Zita Magalhães, estudiosa do percurso do Marquês e do palácio, autora do livro “Pestana Palace Hotel – Valle Flor Palace”, dá-nos uma visão sobre a arquitetura enquanto espaço delimitado, das três dimensões de um volume, mas que uma quarta dimensão transforma a arquitetura num percurso, numa vivência, caraterística do tempo.
A arquitetura do palácio assume diversas abrangências tendo em conta os limites ou fronteiras que se considerem; O palácio visto de dentro, de dentro para fora e visto de fora. Os limites, as paredes, as árvores do jardim ou os muros exteriores. Elementos várias vezes enfatizados por Zita Magalhães.
Visitamos as três salas viradas a sul, cuja descrição, pode ser traduzida numa única palavra: ‘exuberantes’. Requinte que nos transporta para os grandes períodos áureos do mobiliário e dos palácios. A primeira sala de baixos-relevos de estuque, a segunda com decoração de inspiração oriental e a terceira de estilo neorrococó, com espelhos e teto e sobreportas com pinturas da autoria de Carlos Reis.
Na posição mais a nascente do palácio encontramos a capela, e a partir do primeiro piso, em posição fronteira ao altar-mor, podemos verificar a sua forma em planta circular, e pilastras em mármore com capitéis jónicos.
Nas diversas salas vemos apliques cujo design nos transporta a Versalhes. Em várias paredes vemos pinturas em tela de Carlos Reis. Um jarrão com figuras em relevo simbolizando as quatro estações do ano surge imponente na ligação central entre o sul e o norte do palácio.
A sala a poente é revestida a madeira exótica, com uma visível qualidade de trabalho de recuperação, nomeadamente ao nível das soluções técnicas. As canalizações de ar condicionado e da instalação elétrica e de comunicações existem como se fizessem parte integrante da construção original. Hoje a sala é usada para refeições em situações de ambiente reservado.
Zita Magalhães chamou a atenção para o soalho de muitas salas que é em madeira exótica, um trabalho com grande rigor geométrico. Contou que durante a construção a importação da madeira exótica era proibida, mas que o Marquês encontrou uma solução para ultrapassar a situação. “Construiu barcos em madeira exótica, e depois quando chegavam a Lisboa desmontava-os”.
Estivemos no quarto que foi do Marquês, na casa de banho, e na sala privada. Hoje uma das mais luxuosas suites do hotel viradas a sul. Estivemos no grande hall de entrada a partir do jardim, a norte, e podemos ver as duas salas, hoje de refeições, mas que tudo leva a crer que tenham sido salões de baile, onde nos tetos se vêem pinturas de Constantino Fernandes.
Percorremos o jardim, com a casa do lago, a piscina, os novos edifícios anexos de salas de conferências, de quartos e de SPA. Vimos o ‘coche’ em que o Marquês se deslocava pela cidade e a gaiola com diversas espécies de pequenas aves.
O ‘Open House Lisboa’ é isto – a arquitetura de Lisboa de portas abertas. A organização é da Trienal de Arquitetura de Lisboa com a EGEAC. A iniciativa possibilitou, durante dois dias, visitas a diversos espaços e locais da cidade, de forma organizada, guiada e gratuita. A TV Europa aplaude!