Durante os últimos 10 anos vários estudos vinham indicando que os jogadores de videojogos tinham uma melhor atenção visual, uma melhor memória de curta duração e uma mais fina motricidade. Agora um novo estudo publicado na revista científica ‘Molecular Psychiatry’ vem esclarecer qual é o reverso da medalha.
Numa série de estudos, Véronique Bohbot, do Instituto Universitário Douglas em Saúde Mental, e Greg West da Universidade de Montreal, mostraram que a maneira como os jogadores utilizam os cérebros para navegar no ambiente de um videojogo de ação, ou seja, num jogo de tiro em primeira pessoa, tem influência diferente nos cérebros.
Os investigadores recorreram a “testes de navegação e a imagens cerebrais”, e verificaram “que os jogadores que utilizaram o circuito de recompensa do cérebro perderam matéria cinzenta do hipocampo depois de 90 horas a jogar videojogos de ação”, indicou Greg West, autor principal do estudo, investigador e professor da Universidade de Montreal.
“O hipocampo é a sede cerebral da memória espacial e da memória dos acontecimentos das nossas vidas. É o hipocampo que nos permite orientar. Os jogadores servem-se dos seus hipocampos para navegar, e constatamos um aumento da matéria cinzenta depois de passadas o mesmo número de horas de jogo”, explicou Greg West.
Por outro lado os investigadores verificaram que “o mesmo número de horas passadas em frente de um ecrã jogando jogos de plataforma 3D não resultou em aumentos de matéria cinzenta no hipocampo em todos os participantes.”
Estes novos estudos de neuroimagem confirmam trabalhos anteriores já publicados, em 2015, por Greg West e Véronique Bohbot.
“Na verdade, os jogadores de videojogos de ação são quase duas vezes mais propensos a usar os circuitos de recompensa do cérebro, com 83%, do que os não-jogadores, que é de 43%. Esta informação é essencial quando sabemos que o hipocampo é importante para a cognição saudável “, explicou Véronique Bohbot.
Pessoas com menor quantidade de matéria cinzenta no hipocampo têm um maior risco de vir a sofrer de doenças neuropsiquiátricas, como depressão, esquizofrenia, transtorno de stress pós-traumático e doença de Alzheimer. No entanto, os investigadores não sabem se existe um nexo de causalidade entre as interações ‘homem-computador’, ou seja, por exemplo, no uso de videojogos de ação, e a própria doença, carecendo de mais estudos de longo prazo.
Em jogos diferentes, cérebros diferentes
No estudo foram envolvidos 64 participantes, com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos, que jogaram durante 90 horas diferentes tipos de videojogos, envolvendo jogos de tiro em primeira pessoa, como Call of Duty, Killzone, Medal of Honor e Borderlands, e jogos 2D ou 3D como Super Mario 64. Nenhum dos participantes tinha jogado antes.
Os investigadores verificaram que nem todos os videojogos tem o mesmo impacto. Os resultados do estudo revelam que de acordo com a estratégia de navegação dos participantes e o tipo de videojogo selecionado, estes podem ter efeito prejudicial ou benéfico sobre a parte do cérebro envolvida na memória.
Os investigadores mostraram que a matéria cinzenta no hipocampo, que é a sede da memória espacial, aumentou em todos os participantes depois de jogarem 90 horas de plataforma 3D.
Greg West lembra que “o mesmo número de horas gastas em frente de um ecrã a jogar videojogos de tiro em primeira pessoa causa uma atrofia do hipocampo. Isto sugere que jogos de plataforma em 3D são mais seguros e podem ser benéficos para o cérebro dos jogadores.”
Embora os resultados atuais mostrem que algumas interações “homem-computador” podem diminuir a quantidade de matéria cinzenta no cérebro, seria necessário realizar novos estudos para avaliar as consequências a longo prazo da perda e determinar quais os aspetos de conceção dos videojogos que causam essas modificações cerebrais.