Uma das teorias sobre a criação do Universo parte da existência de uma partícula, o inflatão, que nas primeiras frações de segundo após o Big Bang levou a que se tenha expandido. Os cientistas têm vindo a considerar que tal como acontece com um gás após uma expansão rápida, o Universo arrefeceu drasticamente para depois ir reaquecendo por força da energia libertada pelo desaparecimento dos inflatões.
A existência da partícula inflatão, que teria dado origem ao Universo, foi teorizada em 1981 pelo físico Alan Guth, mas só na década de 1990, o físico Arjun Berera, da Universidade de Edimburgo, apresentou uma nova teoria que garantia que nas primeiras frações de segundo após o Big Bang, a expansão do Universo não teve qualquer baixa dramática da temperatura mas passou por um período em que as altas temperaturas se mantiveram. O que apresentou Arjun Berera vinha contrariar a teoria convencional, no entanto a nova teoria era de difícil prova.
Agora, os físicos Arjun Berera, João Rosa da Universidade de Aveiro (UA), Mar Bastero-Gil da Universidade de Granada e Rudnei Ramos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vieram demonstrar que “os inflatões podem não ter desaparecido todos ao mesmo tempo, mas antes extinguiram-se gradualmente ao longo do período de expansão inicial do Universo” e assim a energia libertada pelos inflatões quando se transformavam noutras partículas foi mantendo o Universo em altas temperaturas.
O estudo dos físicos foi já publicado na revista científica ‘Physical Review Letters’, e vem “não só alterar a forma como as observações astronómicas lêem os sinais que nos chegam do cosmos sobre o princípio dos tempos, como abre novos caminhos para a compreensão do próprio Universo”.
O físico João Rosa explica, citado em comunicado da UA, que “tal como os bosões de Higgs formam um campo que preenche todo o Universo e dá massa a todas as outras partículas elementares, também o campo associado ao inflatão terá preenchido todo o Universo primordial, sendo a energia nele armazenada responsável pelo período de expansão exponencial”.
Nos modelos convencionais em que a expansão terá provocado temperaturas drasticamente baixas, os inflatões desapareciam totalmente no final da inflação transformando-se em partículas conhecidas como o eletrão ou o fotão, e de seguida dar-se-ia o reaquecimento do Universo. Neste novo estudo os físicos mostram que os inflatões não desaparecem todos bruscamente mas faseadamente, e neste “paradigma alternativo a energia armazenada no inflatão é continuamente utilizada para manter o Universo quente e contrariar o arrefecimento provocado pela expansão”, esclarece João Rosa.
Desde a década de 1990 que os cientistas tentavam conceber um modelo simples e apelativo de inflação quente para o decaimento do inflatão, utilizando uma ideia que já tinha sido aplicada para explicar a massa do bosão de Higgs. Agora isto foi conseguido e João Rosa afirma: “Mostrámos que é possível que o período inicial de inflação tenha ocorrido numa fase quente, e que o Universo nunca tenha sobrearrefecido”.
As conclusões a que chegaram os físicos ao concederem o modelo que explica a inflação do Universo leva João Rosa a considerar que o estudo “tem consequências observacionais muito significativas”, e acrescenta que há capacidade de ser testado “com a tecnologia atual”.
“A chamada radiação cósmica de fundo, uma relíquia da expansão cósmica que preenche todo o Universo observável, exibe pequeníssimas flutuações de temperatura que foram recentemente medidas com grande precisão pelo satélite Planck, da Agência Espacial Europeia (ESA). A distribuição destas flutuações no céu depende muito do que aconteceu durante o período inflacionário” e João Rosa esclarece: “Mostrámos que o nosso modelo está em perfeito acordo com os dados observacionais do Planck, oferecendo inclusive uma melhor descrição dos dados que o modelo análogo de inflação fria”.
O físico da UA considera que o trabalho desenvolvido demonstra a possibilidade de utilizar observações astronómicas para aprender sobre a física das partículas elementares a temperaturas elevadas, e que esta possibilidade é muitíssimo superior ao que é atualmente possível simular no CERN.
João Rosa esclarece: “Se a inflação ocorrer numa fase fria será muito difícil estudar as interações entre o inflatão e as outras partículas elementares. Na inflação quente, pelo contrário, estas interações têm efeitos mensuráveis na radiação cósmica de fundo, oferecendo uma oportunidade única para chegarmos mais perto de uma teoria fundamental da física a altas energias”.
Mas o físico da UA indica ainda que “a dinâmica do Universo nas primeiras frações de segundo é bastante diferente na inflação quente e isso pode afetar a sua evolução posterior de diversas formas”, e acrescenta que “é possível produzir mais matéria que antimatéria durante a inflação quente”, o que pode explicar “porque é que a primeira é mais abundante no Universo”.