Já há algum tempo que cientistas e médicos trabalham numa medicina personalizada contra o cancro. Cada cancro e cada doente possuem características individualizadas e daí a necessidade de uma terapêutica diferenciada para cada tipo de cancro e para cada doente em particular.
O desafio que, na maior parte dos casos, se coloca aos médicos é como escolher a quimioterapia mais eficaz para cada doente. Para tentar dar uma resposta cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, recorreram a larvas de peixe-zebra para simular in vivo as respostas aos fármacos de tumores humanos.
Os testes desenvolvidos permitiram aos cientistas concluir que os resultados são promissores, “mostrando pela primeira vez que as larvas de um minúsculo peixe poderão um dia tornar-se o modelo de eleição para prever, de antemão, a resposta dos tumores malignos humanos às diversas quimioterapias habitualmente utilizadas.”
O estudo co-liderada por dois cientistas do Centro Champalimaud, e já publicado na edição online de 21 de agosto de 2017 da revista ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’ (PNAS), conclui que “deverá ser possível escolher rapidamente e com segurança o tratamento mais eficaz para cada doente”.
Actualmente, de uma forma geral, a terapêutica anti-cancro não é personalizada recorrendo os médicos a uma análise de taxas de sucesso obtidas em ensaios clínicos com muitos doentes.
Alguns testes personalizados consistem em transplantar células do tumor humano para ratinhos, dado que estes mamíferos têm resposta do tumor ao medicamento semelhante aos humanos. Estes testes são, no entanto, muito morosos, não fornecem respostas em tempo útil, dado que o tumor demora meses a crescer no ratinho, e os testes apenas estão disponíveis “em alguns grandes hospitais ou centros oncológicos.”
Os investigadores Rita Fior e Miguel Godinho Ferreira e respetiva equipa envolvida no estudo concluiu que “se as larvas de peixe-zebra revelarem ser um bom modelo para estes testes, torna-se possível determinar qual é a melhor quimioterapia a utilizar em cada caso em menos de duas semanas.”
Miguel Godinho Ferreira lembrou, citado em comunicado do Centro Chapalimaud, que estudos anteriores já tinham mostrado que estes diminutos animais aquáticos poderiam de facto constituir um bom modelo para a farmacologia humana, mas agora e pela primeira vez mostrou-se “que o peixe-zebra e o ratinho respondem da mesma maneira aos tratamentos”, ou seja, “com os mesmos fármacos obtemos os mesmos efeitos no ratinho e nas larvas de peixe-zebra”.
“Já existiam alguns estudos independentes sobre este tipo de abordagem no peixe-zebra,” esclareceu Rita Fior, citada no comunicado, e acrescentou: “O que é novo no nosso trabalho é que nós testámos o modelo para ver se conseguia detectar diferenças mesmo pequenas, fizemos o ‘screening’ das opções terapêuticas disponíveis para testar a sua eficácia, comparámos os peixes com os ratinhos e fizemos um estudo experimental preliminar com amostras de doentes.”
Na fase final do estudo os cientistas compararam de forma preliminar as previsões fornecidas pelas larvas para cinco doentes, e Rita Fior referiu: “Transplantámos para peixes as massas tumorais provenientes de cinco doentes com cancro colorectal dos Centro Clínico Champalimaud e do Hospital de Amadora/Sintra”.
O comunicado esclarece que “após a cirurgia, os doentes com cancro colorectal costumam ser submetidos a uma quimioterapia, de forma a reduzir as probabilidades de reincidência do cancro”. Os cientistas utilizaram então o teste in vivo com as larvas de peixe-zebra para os cinco doentes e compararam a resposta ao tratamento com quimioterapia, com a resposta no doente.
Rita Fior esclareceu que “houve dois doentes para os quais os tumores nas larvas não responderam à quimioterapia escolhida”, o que se verificou que a resposta estava “em concordância com os nossos resultados, pouco tempo depois, esses doentes sofreram uma recidiva.”
Em outros dois doentes, os tumores nas larvas responderam ao tratamento, e os doentes “encontram-se bem até agora”, referiu Miguel Godinho Ferreira.
Os cientistas pretendem agora que o mesmo tipo de comparações se faça em centenas de doentes para ser verificado em maior escala se o poder preditivo do teste se confirma, um estudo que poderá demorar cerca de dois anos, mas Miguel Godinho Ferreira indicou: “Se tudo correr bem, vamos poder informar os oncologistas do resultado das várias terapias” nas larvas do peixe-zebra; serão sempre eles a ter de escolher o tratamento, mas poderão fazê-lo com base em testes individuais.”
O cientista conclui: “O nosso sonho é desenvolver um ‘antibiograma’ para o cancro. Tal como é corrente nos dias de hoje para as infecções bacterianas, nós antevemos obter uma espécie de matriz da eficácia dos vários fármacos para cada doente, que permita aos médicos escolher a terapia mais indicada a cada pessoa.”