No dia 9 de junho de 2024, cerca de 400 milhões de cidadãos europeus irão eleger os 720 deputados ao Parlamento Europeu para uma nova legislatura. Entre as diversas responsabilidades dos novos deputados ao Parlamento Europeu está a aprovação por negociação com o Conselho Europeu da reforma da legislação farmacêutica da União Europeia (UE).
Uma reforma que é considerada a mais extensa do setor em mais de 20 anos e que tem como objetivo promover a investigação, a inovação e o desenvolvimento de novos recursos terapêuticos, e garantir o acesso oportuno e equitativo dos pacientes aos medicamentos mais eficazes.
A Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC) alerta que se trata de uma oportunidade para, depois do Parlamento ter conseguido a aprovação do processo, em primeira leitura, na atual legislatura, os novos eurodeputados desenvolverem um trabalho que resolva algumas das deficiências remanescentes da legislação.
“O objetivo principal da reforma é garantir o acesso oportuno e justo aos medicamentos para os pacientes em toda a UE e promover a retenção de atividades de investigação e inovação na Europa. Uma abordagem unificada a nível da UE deverá oferecer maiores oportunidades para incentivar a inovação e coordenar esforços para desenvolver e fornecer medicamentos que respondam a necessidades médicas não satisfeitas, especialmente nas áreas onde a inovação permanece significativamente desproporcional ao fardo da doença”, afirmou Piotr Szymański, Presidente da Comissão de Assuntos Regulatórios da SEC, citado em comunicado da Sociedade.
A SEC considera que houve progressos no processo regulatório com a consulta dos profissionais de saúde, nomeadamente para a elaboração de orientações científicas – como sobre necessidades médicas não satisfeitas – e para a adoção de medidas para prevenir e gerir a escassez dos medicamentos.
“A experiência dos profissionais de saúde e o contacto direto com os pacientes são essenciais para aumentar a relevância e eficácia das medidas regulatórias. Em particular, a consulta dos profissionais de saúde que representam as sociedades médicas é crucial para recolher opiniões coletivas e promover o alinhamento com as diretrizes da prática clínica. As orientações desempenham um papel importante na definição da prática clínica dos médicos europeus, fornecendo recomendações baseadas em evidências que melhoram a qualidade da prestação de cuidados de saúde”, descreve a SEC.
Entre as melhorias introduzidas pelo Parlamento e que no entender da SEC devem ser defendidas pelos eurodeputados junto do Conselho Europeu dizem respeito às seguintes áreas:
■ Reaproveitamento de medicamentos autorizados, permitindo que entidades sem fins lucrativos apresentem evidências aos reguladores para uma nova indicação terapêutica, mesmo que não atendam a uma necessidade médica não atendida. A reorientação pode efetivamente ampliar o acesso e proporcionar benefícios significativos aos pacientes e deve ter um escopo amplo.
■ Prevenção e gestão de escassez, incluindo a exigência de que as Autoridades Nacionais Competentes recomendem aos profissionais de saúde medicamentos alternativos para utilização em caso de escassez.
■ Transparência no apoio financeiro recebido à investigação e desenvolvimento, que foi alargado ao financiamento público indireto e às licenças ou aquisições de outras entidades. Uma maior transparência nos custos de I&D e o intercâmbio de conhecimentos especializados sobre políticas de preços, reembolsos e aquisições podem contribuir para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.
A Sociedade Europeia de Cardiologia manifesta, no entanto, preocupação que as medidas da legislação já consideradas possam não resolver o desalinhamento emergente entre o fardo da doença e a inovação em algumas áreas terapêuticas, incluindo as doenças cardiovasculares.
Embora as doenças cardiovasculares continuem a ser a principal causa de morte e morbilidade na Europa, a investigação e o desenvolvimento são, pela SEC, consideradas desproporcionais ao seu fardo e lamentavelmente atrasados em relação a outras áreas terapêuticas. Das 80 novas substâncias ativas autorizadas entre 2022 e 2023, apenas uma era para doenças cardiovasculares e apenas 4% dos ensaios iniciados entre 2017 e 2022 eram para doenças cardiovasculares. Este desalinhamento constitui também uma necessidade médica não satisfeita, que deve ser reconhecida e abordada para proporcionar aos pacientes europeus os tratamentos de que necessitam.
Tendo em conta a proposta da Comissão e as negociações já realizadas no Parlamento, a SEC faz algumas recomenda de disposições para melhorar a legislação, como:
■ Identificar e abordar lacunas de inovação: Os reguladores e os decisores políticos devem identificar proactivamente as áreas terapêuticas onde a inovação está estagnada, apesar de uma elevada carga de doenças permanecer, representando necessidades médicas não satisfeitas. Essas informações devem ser utilizadas para investigar causas e possíveis soluções, consultando associações profissionais de saúde relevantes.
Um sistema regulamentar ágil e reativo deverá encorajar a I&D a permanecer na Europa. Paralelamente, reforçar a investigação pública é também fundamental para colmatar as lacunas existentes.
■ Mandato da HERA e do ECDC: Considerando o novo papel e responsabilidades propostos pelo Parlamento para a Autoridade de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA, sigla em inglês) no âmbito do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC. sigla em inglês), essas lacunas de inovação também devem ser consideradas, especialmente quando se trata de trata da definição de um portfólio europeu de I&D a longo prazo e da colaboração com centros de investigação terceiros, entidades sem fins lucrativos e academia. Tal como solicitado pelos eurodeputados no âmbito das negociações sobre o Regulamento, o mandato do ECDC deve ser alargado para abranger as principais doenças não transmissíveis, recolhendo dados epidemiológicos cruciais para a investigação e a elaboração de políticas.
■ Necessidades médicas não atendidas: As necessidades não atendidas também existem em condições crônicas, progressivas e altamente prevalentes, que representam um fardo significativo para a saúde individual e pública.
A definição fornecida pela diretiva deverá ter isto em consideração e refletir melhor as necessidades dos pacientes e da sociedade.
■ PRIME: Dos 384 pedidos PRIME: medicamentos prioritários, recebidos pela EMA, entre 1 de janeiro de 2016 e 30 de junho de 2021, apenas 20 foram para doenças cardiovasculares e apenas 2 obtiveram elegibilidade para o regime. Alargar o âmbito do PRIME para abranger condições crónicas associadas a elevada mortalidade e morbilidade beneficiaria significativamente os pacientes europeus.