A qualidade da morte é um dos temas que é debatido por médicos internistas no Porto. Os internistas reúnem-se no 23º Congresso Nacional de Medicina Interna, na Alfândega do Porto, de 25 e 28 de maio.
João Araújo Correia, presidente do congresso de 2017, refere, citado em comunicado, que “a qualidade da morte é um parâmetro, um índice de qualidade assistencial. Saber que, na altura de morrer, o doente tem direito a cuidados paliativos, tem uma adaptação da terapêutica à sua fase terminal, lhes estão a tratar os sintomas com dignidade, é fundamental”.
A importância do tema ‘qualidade da morte’ leva a um debate dos especialistas numa mesa redonda específica com o título ‘Dor total e cuidado total – Limites do sofrimento humano o papel da equipa de saúde’, em que no dia 26 de maio, “é debatido o alívio do sofrimento e o papel da equipa médica nesse mesmo alívio.”
João Araújo Correia indica que se fala “muito atualmente na questão da obstinação terapêutica, darmos fármacos que não alteram em nada o prognóstico, tendo por vezes apenas os efeitos colaterais das drogas, sem qualquer benefício para o doente, mas também na obstinação diagnóstica,” por isto o tema é totalmente atual e pertinente.
O especialista esclarece ainda que a ‘overdiagnosis’, ou seja, “a obstinação por procurar um diagnóstico sem que, à partida, o doente vá beneficiar. É uma coisa meramente académica. Não se deve fazer uma biópsia ou colocar um cateter venoso central quando, na prática, o doente não vai ganhar nada com isso, e mesmo que ganhe mais um dia, é mais um dia de sofrimento”.
Para João Correia Araújo, que é também diretor do Serviço de Medicina do Centro Hospitalar do Porto, a questão da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, é um tema com importância atual que é também debatido. Uma Rede que considera “insuficiente”.
De acordo com um estudo a ser divulgado no congresso, João Correia Araújo, refere que colocar um doente na rede, é uma tarefa “dramática” com tempos de espera de 47 dias, em média, depois de cumpridos os critérios e do doente já estar aceite. “A demora é de tal ordem que apenas 56% acabam por ir. Os outros 44% morrem no hospital. E depois, dos que conseguem chegar à rede, cerca de 30% voltam a ser internados. Ou seja, os doentes acabam por piorar na própria rede.”
As conclusões do estudo leva o especialista a referir: “Isto levanta duas coisas, em que se devia pensar seriamente: não temos uma adequação entre as vagas que precisamos para os doentes que temos na rede. E como ela não existe, o tempo de espera é demasiado longo. No meu serviço, mensalmente há cerca de 25 camas permanentemente ocupadas por doentes e por razões não clínicas. Podiam ter alta mas, ou estão à espera da rede ou à espera de ir para um lar.”
Para dar resposta a estas questões é fundamental “haver mais camas na rede, para que haja uma resposta mais célere”, reforça João Correia Araújo. Mas também são precisos mais meios, a Rede deve ser dotada de meios mínimos. Dado que são profissionais de saúde mais jovens que estão no serviço à rede, o que justifica que 30% dos doentes, que são muito complexos, voltem ao hospital. Por outro lado, “segundo as regras, se o doente estiver mais de sete dias internado na sequência dessa agudização, perde a vaga e tem que ser reiniciado todo o processo.”
Cooperação entre Medicina Interna e Medicina Geral e Familiar
A relação entre a Medicina Interna (MI) e a Medicina Geral e Familiar (MGF), ou melhor, “a falta de ligação entre estas duas grandes especialidades” é outro dos temas em destaque no congresso. A falta de ligação entre as duas especialidades é “uma das grandes fragilidades do Serviço Nacional de Saúde”. Uma situação que justifica porque “95% dos internamentos nos serviços de medicina se fazem a partir do serviço de urgência”.
“O hospital trata o doente crónico, que é internado e depois fica em ‘hospitalite’ e nunca mais de lá sai. E na doença aguda as coisas também não funcionam bem do lado da MGF, porque estes médicos perderam a apetência pela doença aguda. É o próprio médico de família que manda o seu doente à urgência”.
João Correia Araújo considera que “os médicos de medicina geral e familiar convenceram-se que tratam fundamentalmente doentes crónicos (hipertensos, diabéticos, etc.) e que também fazem rastreios, tudo com tempo, com consultas daí a uns meses”. Pelo que devem ser criados incentivos para o tratamento da doença aguda nos centros de saúde.
Outra das falhas do sistema é a ausência de canais de comunicação entre as duas especialidades. “Em Lugo, Espanha, os internistas vão uma vez por semana aos centros de saúde e tomam conhecimento dos doentes que estão a preocupar mais os colegas. Na Andaluzia, o doente tem um médico de família e tem o chamado internista de referência”, esclarece o especialista.
Portugal está, nesta matéria, “na cauda da Europa”, mas parece haver um começo de “abertura, pelo Ministério da Saúde, de um concurso, no âmbito de um programa de integração dos doentes complexos, em que disponibiliza fundos para que se promova essa integração, mediante projetos apresentados entre os centros de saúde e os hospitais”.