O Dia Mundial da Visão assinala-se a 10 de outubro. Promovida pela Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira (The International Agency for the Prevention of Blindness), esta data visa, todos os anos, despertar a consciência da população para a crucial importância de consultar regularmente um especialista dos cuidados da visão, seja ele um optometrista ou um oftalmologista, por forma a prevenir ou detetar atempadamente o surgimento de eventuais condições visuais ou doenças oculares.
A verdade é que nunca foi tão imperativo como hoje apostar na sensibilização e na educação para um correto e consciente cuidado com a saúde da visão. Isto porque os números têm refletido uma realidade pouco animadora no que respeita à qualidade da nossa função visual.
Segundo a Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira, 1.2 mil milhões de pessoas, em todo o mundo, precisam de utilizar óculos para ver melhor, e 36 milhões de indivíduos são cegos. A mesma organização revela ainda um facto que importa reter: mais de 75 por cento dos casos de deficiência visual são evitáveis.
Esta última afirmação reitera não apenas um dos objetivos basilares dos profissionais de Optometria, como também nos mostra a necessidade de reverter os números, que se estima virem a aumentar nas próximas décadas. Para o fazer, é preciso, certamente, manter e até mesmo intensificar o trabalho de consciencialização para problemas da visão como a miopia, a hipermetropia, as cataratas, o glaucoma, entre outros, dirigidos sobretudo aos grupos mais vulneráveis, tais como as crianças em idade pré-escolar e escolar, os idosos e as pessoas com diabetes.
Mas não chega. É preciso garantir que todas as pessoas tenham o direito a uma prestação de cuidados de saúde primários da visão que seja eficiente e atempada. Para que isso seja possível, é necessário a correta delegação de responsabilidade entre os vários especialistas da saúde da visão.
E é aqui que começa o problema, nomeadamente quando olhamos para a realidade dos optometristas no cenário português. Há cerca de 30 anos que os profissionais de Optometria têm exercido a sua atividade com a autonomia que os carateriza e para a qual são formados, assumindo um papel fundamental na contribuição para o acesso atempado da população a meios de prevenção, diagnóstico e tratamento dos mais diversos problemas da visão.
Apesar disso, e mesmo com a sua importância realçada pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira, os optometristas têm sido colocados à margem das políticas que visam a melhoria dos cuidados de saúde da visão em Portugal.
Colocar os optometristas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente nas Unidades de Saúde Familiar, tem sido um tema controverso junto do Ministério da Saúde. Grupos parlamentos e outras instâncias políticas têm deliberadamente ignorado este assunto, mesmo depois das provas científicas das suas vantagens para as contas do Estado, mas sobretudo para a qualidade de vida dos portugueses e do correto funcionamento do nosso sistema de saúde público.
Uma dessas provas é um estudo publicado este ano pela Nova Healthcare Initiative – Research, da Universidade Nova de Lisboa, que infere que a integração dos optometristas no SNS iria representar uma mais-valia para a resolução de um dos problemas mais preocupantes no sistema de saúde público nacional: os tempos de espera para consulta hospitalar na especialidade de Oftalmologia, que estão entre os seis meses e aproximadamente três anos.
Estes tempos de espera têm vindo a agravar-se principalmente por dois motivos: por um lado, pela realização de rastreios de saúde visual infantil e retinopatia diabética, que não têm permitido uma correta gestão dos recursos humanos, levando ao crescimento da lista de pacientes, sem haver qualquer aumento da capacidade de atendimento dos utentes que já lá estão colocados (apenas cerca de um quarto da população-alvo teve acesso a este programa de rastreio); e, por outro lado, os profissionais especializados em Oftalmologia do SNS continuam a ser utilizados para a realização de todo o tipo de atendimento e de prestação de cuidados para a saúde da visão, não permitindo uma utilização mais racional e proveitosa para os utentes e Estado, que visaria a sua alocação aos cuidados altamente especializados na área médico-cirúrgica e a capitalização da formação especializada e focada na autonomia dos optometristas na prestação de cuidados primários para a saúde da visão.
É certo que a integração dos optometristas no SNS iria permitir uma mais eficiente gestão dos cuidados da saúde da visão dos portugueses. Se considerarmos que um optometrista pode realizar em média seis mil consultas por ano, a sua implementação no Serviço Nacional de Saúde garantiria uma minimização das listas de espera, através da triagem de casos que seriam encaminhados para os cuidados de saúde diferenciados de Oftalmologia.
Contudo, a Optometria é mais do que uma proposta de resolução para uma das diversas lacunas do nosso sistema de saúde público. Esta classe profissional está preparada para fornecer cuidados extensivos em visão e sistema visual, que incluem refração e prescrição, deteção e acompanhamento de doenças oculares e o tratamento de condições do sistema visual. Significa isto que os optometristas estão mais que capacitados para cumprir a missão que levou a Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira a criar o Dia Mundial da Visão: alcançar a prevenção e deteção atempadas dos problemas que podem comprometer a saúde da nossa visão, através da prestação de cuidados especializados.
Autor: Raúl de Sousa, Optometrista e Presidente da APLO
A Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO) representa os Optometristas, a maior classe profissional de prestadores de cuidados para a saúde da visão, em Portugal. Atualmente conta com cerca de 1.210 membros. A APLO é membro Fundador da Academia Europeia de Optometria e Ótica, membro do Conselho Europeu de Optometria e Ótica e membro do Conselho Mundial de Optometria.