Com os “bloqueios” colocados pelos países para conter a pandemia de COVID-19 começa a haver temores de escassez de alimentos, causados pelo surgimento de fenómenos de compras por pânico e por interrupções na cadeia de fornecimento de bens importados.
Há notícias que alguns países estão a restringir a exportação de produtos alimentares ou a rever acordos de exportação. Notícias que trazem lembranças da crise alimentar de 2007-2008, quando houve uma interrupção nas cadeias globais de fornecimento de alimentos, já que vários países importantes limitaram as exportações de arroz e trigo, o que levou a uma série de eventos em todo o mundo, incluindo escassez de alimentos, aumento de preços e instabilidade social em mais de 30 países.
O efeito da COVID-19 na segurança alimentar
A segurança alimentar é o complexo multidimensional de fornecimento de alimentos, através do cultivo, importação ou armazenamento, para garantir acesso físico, movendo os alimentos de onde são produzidos para onde são consumidos, com garantia de preços acessíveis, e que salvaguarde o valor nutricional e a garantia de estabilidade em todas as dimensões.
Na maioria dos países o acesso a alimentos ainda não foi visivelmente afetado, embora restrições à exportação tenham sido impostas por países como o Cazaquistão à farinha de trigo, a Sérvia ao óleo de girassol, a Tailândia aos ovos; mas nestes casos não contribuem significativamente para os mercados globais.
A Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares, referiram publicamente que existem globalmente stocks suficientes de produtos básicos, como trigo e o arroz, para todo o ano de 2020. Exceto se as empresas dos EUA, União Europeia, Rússia e Ucrânia começarem a limitar a exportação de trigo, e os principais exportadores de arroz da Índia, Tailândia, Vietname, Paquistão e EUA começam a limitar o arroz.
No entanto, ao nível do interior dos países, a COVID-19 tem efeitos que estão ser sentidos, sendo que alguns desses efeitos não são diretamente atribuíveis à infeção, mas às medidas preventivas tomadas para evitar a propagação do novo coronavírus.
Por exemplo, os bloqueios na Índia e na Malásia, que impedem todo movimento dentro e com o exterior do país, provocaram temores de interrupções no fornecimento. Agricultores indianos e filipinos tiveram que enviar para o lixo os produtos ou usa-los para alimentação de animais devido à incapacidade de os transportar para os mercados urbanos. Na Singapura os receios de falta de legumes frescos, ovos e frango, se não fossem autorizados a entrar em Singapura pela Malásia, resultou numa onda de pânico na compra desses bens.
Em alguns países, a escassez de mão-de-obra para cultivar, processar e manipular alimentos foi devida à aplicação das chamadas medidas de “distanciamento social”. É provável que esta questão afete os bens alimentares num futuro próximo, pois as culturas não são colhidas e as culturas e animais para a próxima época não são inseridos em seus ciclos de crescimento. A América do Norte está a enfrentar um grande problema com o trabalho migrante para estes trabalhos.
Em geral, qualquer restrição ao transporte, incluindo movimentação de alimentos e pessoas envolvidas na indústria de alimentos, terá um efeito severo no fornecimento de alimentos, como foi evidenciado em muitas partes da China durante os meses da crise sanitária.
Da mesma forma, na China, os “bloqueios” impediram que as sementes chegassem aos agricultores que precisavam de plantar para a próxima temporada. As autoridades estão a fazer concessões para “canais verdes” que isentem o movimento de meios agrícolas como fertilizantes e sementes.
Outros efeitos visíveis da restrição de movimento causaram diminuição da disponibilidade de produtos frescos, como legumes e frutas, para os consumidores e, consequentemente, impuseram uma crise financeira aos produtores e impediram o acesso físico aos alimentos, uma das dimensões importantes da segurança alimentar.
Restrições às exportações de bens alimentares
No que diz respeito aos alimentos, quase nenhum dos países exportadores líquidos anulou os contratos de fornecimento, embora em grandes países agrícolas como os EUA e o Canadá, grupos de agricultores tenham alertado sobre o impacto da redução da colheita das culturas atuais e do plantio de algumas culturas devido a uma reduzida procura.
Na Ásia, apenas um dos cinco principais exportadores de arroz, o Vietname, anunciou planos para manter futuros contratos, enquanto pequenos exportadores como o Camboja e Mianmar adotaram restrições temporárias.
Em geral, a disponibilidade e o acesso a alimentos parecem não ser afetados na maioria dos países, embora alguns estejam a ter interrupções no fornecimento dentro do país devido ao controlo de movimentos. Muitos governos adotaram medidas visíveis para garantir aos cidadãos que os stocks de alimentos são suficientes, mas a escassez temporária resultou do pânico que levou a maior número de compras.
O COVID-19 provocou em alguns países uma resposta inesperada por parte do público para armazenar quantidades extras de alimentos, desencadeando assim um círculo vicioso de escassez transitória. Isso pode até forçar os governos a entrar no mercado para acumular stocks em antecipação à escassez.
Transformar a crise em oportunidade
Esta pandemia revelou como alguns países são vulneráveis em segurança alimentar. Filipinas e Singapura usaram esta crise para estimular a autoprodução, como seja o aumento da agricultura urbana de vegetais. Singapura está supostamente a acelerar sua meta de satisfazer 30% das suas necessidades nutricionais até 2030 e apoiando-a com investimentos significativos. Hong Kong viu uma procura crescente por vegetais urbanos existentes, que por sua vez intensificaram o plantio dos mesmos.
Como país dependente da importação de alimentos, Singapura também está a exemplificar novas medidas para manter vias de fornecimento abertas, com seis países exportadores. E especialistas também pedem mais ações para produzir alimentos alternativos, como carne e proteínas à base de plantas para melhor prevenir eventuais interrupções na cadeia de alimentos.
Mas a crise também está a forçar a comunidade global a perguntar se as atuais longas cadeias de alimentos e que exigem muita energia devem ser substituídas por alimentos produzidos localmente. Na Índia, a crise viu uma migração reversa de milhões de pessoas a deslocarem-se das áreas urbanas para áreas rurais. Estes milhões de pessoas podem ser incentivados a permanecer e produzir alimentos no campo, de maneira lucrativa, através de um aumento de investimentos do governo na agricultura.
Garantir segurança alimentar
A pandemia do COVID-19 provavelmente não é uma crise isolada que causa insegurança alimentar. Numa época em que muitos países tendem a olhar para dentro, é exatamente o contrário que deve ser feito para garantir a todos uma segurança alimentar.
O Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares realizou extensos estudos após a crise de 2007-08 e alertou que políticas inadequadas e egoístas e ações não transparentes poderiam ter consequências não intencionais, como causar corridas nas importações de alimentos ou restrições nas exportações de alimentos, levando a escassez e preço mais generalizados e artificiais. Os governos aos níveis regionais e globais precisam de aumentar a cooperação e a coordenação em todas as dimensões da segurança alimentar. Ao fazer isso, os países beneficiam-se de outros e melhoram sua capacidade local de produzir mais.
A segurança alimentar de qualquer país só pode ser garantida por uma balança de autoprodução, importação e stock. É compreensível que os governos aspirem ser totalmente autossuficientes, mas isso ainda deve ser ponderado com cuidado em relação aos custos de oportunidade e ao efeito que isso pode ter no desenvolvimento económico geral.