Os Prémios Santa Casa Neurociências 2018, no valor de 400 mil euros, foram, ontem, atribuídos a Nuno Sousa, da Universidade do Minho, pelo projeto “Theract-Exo: Exosqueleto controlado por atividade cerebral para reabilitação vertebromedular”, e a Luisa Lopes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, pelo projeto “Utilização de novos modelos baseados no envelhecimento para a elucidação de mecanismos de patogénese da doença de Alzheimer”.
Os prémios da Santa Casa com as designações de “Melo e Castro” e “Mantero Belard” têm o objetivo de promover a investigação científica em áreas de normal atuação da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML).
O prémio “Melo e Castro” é destinado a projetos de investigação clínica ou científica para trabalhos orientados ao “tratamento, melhoria ou cura de lesões medulares, de natureza traumática e não-traumática, e que permita a recuperação das limitações motoras e consequente melhoria na qualidade de vida das pessoas”.
O prémio “Mantero Belard” é orientado a projetos de investigação clínica ou científica que potenciem “contribuições estratégicas e significativas na compreensão das causas, prevenção e tratamento de doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, como doenças de Alzheimer e de Parkinson possibilitando novas estratégias no tratamento e restabelecimento das funções neurológicas”.
Recuperação parcial das lesões vertebromedulares
O projeto “Theract-Exo: Exosqueleto controlado por atividade cerebral para reabilitação vertebromedular”, de Nuno Jorge Carvalho Sousa, aborda as lesões vertebromedulares que estão associadas a múltiplas alterações que alteram a qualidade de vida dos pacientes.
O projeto parte do conhecimento que a equipa de investigação liderada Nuno Sousa conseguiu “ao induzir a recuperação parcial de movimentos e a perceção tátil em pacientes com lesões vertebromedulares após o treino prolongado com um exosqueleto controlado por atividade cerebral, medida através de eletroencefalografia, que incluía feedback tátil e realidade virtual.”
Os investigadores consideram que “o mecanismo subjacente a esta melhoria sensoriomotora seja o resultado da integração de sinais motores e da perceção multissensorial coerentes com a volição do paciente.”
A equipa de Nuno Sousa propõe que “a recuperação parcial das lesões vertebromedulares pode ser acelerada se os sinais de feedback forem enriquecidos com informação térmica, coerente com os restantes estímulos” e por isso propõe melhorar um esquema de treino que inclui um exosesqueto controlado por atividade cerebral, realidade virtual e feedback tátil, acrescentando o feedback térmico.”
O investigador vencedor do prémio Santa Casa Neurociências propõe atingir os objetivos do projeto através de três tarefas a realizar com doentes com lesões vertebromedulares:
■Treinar pacientes em posição estática a controlar um avatar, com a representação das suas pernas, através da modulação do sinal de eletroencefalografia, enquanto recebem feedback tátil, visual, auditivo e térmico;
■Treinar pacientes em posição ortostática durante a reabilitação com marcha roboticamente assistida, enquanto recebem feedback tátil, visual, auditivo e térmico;
■Treinar pacientes durante a reabilitação através da utilização de um exosesquelo controlado por eletroencefalografia, enquanto recebem feedback tátil e térmico.”
Contributos para a investigação e terapêutica da doença de Alzheimer
O projeto “Utilização de novos modelos baseados no envelhecimento para a elucidação de mecanismos de patogénese da doença de Alzheimer”, de Luísa Lopes, tem na base o conhecimento de que “a disfunção sináptica desempenha um papel crucial na doença de Alzheimer, uma vez que está na génese do declínio cognitivo.”
Os investigadores sabem que “na neurodegenerescência associada ao envelhecimento, o declínio cognitivo tem uma correlação mais evidente com a perda precoce de sinapses do que com a perda de neurónios em pacientes.” Neste contexto os investigadores consideram que podem ser mais relevantes os estudos “focados na identificação dos mecanismos precoces da patogénese da doença, impulsionados pelo processo de envelhecimento”, do que “os atuais modelos baseados apenas na toxicidade das proteínas.”
A proteína precursora amilóide, considerada crucial para a função neuronal em condições fisiológicas, é principalmente “conhecida pelo produto de clivagem tóxica, o péptido amilóide –β (α-β) que é um dos marcadores da doença de Alzheimer”, e estudos recentes propõem que outros fragmentos derivados da proteína precursora amiloide podem contribuir para a doença.
“O fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide tem gerado interesse nos cientistas devido à capacidade de se translocar para o núcleo e afetar a transcrição de genes”, descreve a investigadora.
A equipa de investigação, liderado pela investigadora do Instituto de Medicina Molecular, pretende conhecer “o papel fisiológico deste fragmento C-terminal da proteína precursora amiloide em neurónios glutamatérgicos, identificar os mecanismos subjacentes ao controlo do fragmento de recetores N-metil-D-aspartato e avaliar se estes estão desregulados em contextos fisiopatológicos.
O trabalho proposto pela investigadora compreende:
■ Um estudo longitudinal focado nos níveis de expressão do fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide e identificação dos potenciais alvos nucleares no cérebro de ratinho;
■ Estudo de avaliação do eventual impacto na homeostase do cálcio neuronal pelo fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide, com identificação dos mecanismos subjacentes. O estudo vai recorrer “a experiencias de perda e ganho de função em culturas neuronais glutamatérgicas”;
■ Avaliação dos resultados da depleção do fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide em neurónios in vivo nas correntes dos recetores N-metil-D-aspartato, procedidos de testes de reversão através de aplicação do fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide exógeno;
■ Também e em simultâneo é feita prevenção “de fosforilação da Tau/gluN2B no mesmo paradigma experimental para avaliar a relevância destes mecanismos nas respostas medidas pelo fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide”;
■ É usada uma nova estratégia para obter neurónios a partir de fibroblastos de pacientes idosos e dementes para investigar se o envelhecimento e a Doença de Alzheimer estão associados a níveis aumentados do fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide, alterações de N-metil-D-aspartato e alterações de cálcio;
■ A investigadora vai ainda testar o potencial terapêutico dos alvos identificados nos modelos celulares de ratinho e nas amostras humanas.
A investigadora considera que o projeto, baseado em modelos fisiopatológicos associados ao envelhecimento pode contribuir para o conhecimento do papel neuronal do fragmento C-terminal da proteína precursora amilóide, e assim abrir novos caminhos para a pesquisa e a terapêutica da doença de Alzheimer.