Estudos apresentados no Congresso Anual da Liga Europeia Contra as Doenças Reumáticas (EULAR) 2017 concluem que a utilização de duas novas ferramentas podem potencialmente desempenhar um papel crucial no diagnóstico precoce da Esclerose Sistémica (ES).
Um dos estudos, de grandes dimensões, demonstrou que os doentes que correspondem aos critérios para o ‘diagnóstico muito precoce de ES’ quando avaliados usando videocapilaroscopia apresentam a aparência característica de um padrão de ES precoce.
Um outro estudo permitiu demonstrar que um novo exame sanguíneo concebido para detetar autoanticorpos específicos de ES, pode ser útil como ferramenta para diagnosticar doentes com suspeita de ES.
Doenças Reumáticas e Músculo-Esqueléticas
As doenças reumáticas e músculo-esqueléticas são um grupo diversificado de doenças que afetam as articulações, mas também podem atingir os músculos, outros tecidos e órgãos internos. Existem mais de 200 doenças reumáticas e músculo-esqueléticas diferentes, afetando crianças e adultos, incluindo a esclerose sistémica.
As doenças reumáticas e músculo-esqueléticas podem ser causadas por problemas do sistema imunológico, inflamação, infeções e/ou deterioração da qualidade das articulações, músculos e ossos. Muitas dessas doenças são crónicas e pioram ao longo do tempo. São geralmente dolorosas e limitam os movimentos. Em casos graves, as doenças reumáticas e músculo-esqueléticas podem resultar em incapacidade significativa, tendo um grande impacto na qualidade de vida e na longevidade.
A esclerose sistémica
A esclerose sistémica é uma doença reumática crónica imunomediada que afeta vários órgãos, incluindo o coração, e estima-se que atinja entre 2,3 a 10 pessoas por um milhão, com maior predominância nas mulheres.
A fase mais precoce da ES é tipificada por inflamação contínua e remodelação microvascular, que progride para a perda de capilares, culminando na fibrose da pele, pulmões, coração e outros órgãos. As complicações mais temidas são a hipertensão arterial pulmonar, a crise renal e a fibrose pulmonar, responsáveis pela maioria das mortes relacionadas com ES. Após o início da fibrose pulmonar e da hipertensão arterial pulmonar, a ES apresenta uma sobrevivência de 10 anos de cerca de 50%.
Os especialistas estimam que atualmente na Europa vivam mais de 120 milhões de pessoas com uma doença reumática, e muitos casos ainda não detetados. A campanha ‘Don’t delay, connect today!‘ lançada pelas organizações de doentes e técnicos de saúde “pretende destacar que o diagnóstico precoce de reumáticas e músculo-esqueléticas e o acesso ao tratamento podem evitar mais danos, reduzindo também o impacto sobre os indivíduos e a sociedade em geral.”
A videocapilaroscopia contribui para o diagnóstico muito precoce de Esclerose Sistémica
A videocapilaroscopia, o método agora apresentado, é um método não-invasivo, pouco dispendioso e reprodutível de recolha de imagem que permite uma medição precisa da morfologia dos capilares, bem como da sua densidade, e a partir daí levar permitir a avaliação de mudanças estruturais na microcirculação periférica.
O método envolve a “combinação de um microscópio com uma grande lente de ampliação, integrada com uma câmara de vídeo digital e software específico”.
Os especialistas indicam que durante a videocapilaroscopia se for verificada a presença de capilares gigantes e hemorragias então está-se na presença de uma característica de um padrão ES precoce. Por outro lado, se se verificar “a perda de capilares, a desorganização da arquitetura vascular e a presença de capilares de forma anormal, está-se na presença do dano microvascular avançado típico da ES, “que também se encontra associado ao envolvimento de órgãos em casos clinicamente evidentes de ES.”
Vanessa Smith, do Hospital Universitário de Ghent, Bélgica, e autora principal do estudo referiu, citada em comunicado, indica que “a ES é geralmente precedida pela presença do fenómeno de Raynaud, o que proporciona uma oportunidade para investigar os primeiros danos à microcirculação”.
“A videocapilaroscopia deve ser considerada como uma componente chave dos critérios de diagnóstico precoce da Esclerose Sistémica, que também envolve mudanças clínicas na microcirculação no ’fenómeno de Raynaud’, presença de anticorpos antinucleares na circulação e dedos inchados”. Os critérios “foram especificamente concebidos para diagnosticar a ES o mais cedo possível”, indicou a investigadora.
A especialista explicou que “um dos objetivos de analisar a doença numa coorte de doentes de ES tão precoce é detetar alvos para tratar a doença antes da ocorrência de danos irreversíveis do tecido”.
No estudo os investigadores verificaram que “a prevalência de padrões videocapilaroscópicos de ES precoce foi maior nos doentes com anticorpos antinucleares positivo com diagnóstico precoce da Esclerose Sistémica do que naqueles sem este anticorpo”.
A distribuição estimada dos padrões iniciais de ES foi de 40 % vs. 13%, respetivamente, nos doentes com mais anticorpos antinucleares e com menos anticorpos antinucleares. “Um padrão ‘inicial’ típico verificou-se que estava presente em 79% dos doentes ‘alvo’.”
O estudo permitiu verificar que para as características capilaroscópicas quantitativas, a única diferença estatisticamente significativa entre os doentes com mais anticorpos antinucleares e com menos anticorpos antinucleares foi a presença de capilares gigantes ‘moderada’ ou ‘extensa’, ou seja, 23 vs. 5%, p = 0,027.
Participaram no estudo do diagnóstico precoce da Esclerose Sistémica quarenta centros de saúde que contribuíram para uma base de dados com 1.085 doentes com fenómeno de Raynaud. Estes doentes foram divididos em dois grupos principais: doentes com mais anticorpos antinucleares e doentes sem o anticorpo.
Os padrões de videocapilaroscopia foram categorizados pelos investigadores como alterações normais/não específicas, anormalidades não específicas, ‘Precoce’, ‘Ativo’, ‘Tardio’, e padrões ‘típicos da Esclerodermia’. Por sua vez a avaliação quantitativa das alterações capilaroscópicas incluiu a classificação de ‘ausente, ou seja, ‘nenhum’ ou ‘raro’, e ‘presente’, isto é ‘moderado’ ou ‘extenso’, para o aparecimento de capilares gigantes, hemorragias, perda capilar e capilares de espessura anormal.
Exame ao sangue para detetar autoanticorpos específicos da ES pode ajudar no diagnóstico
Outro dos métodos agora apresentado é um exame ao sangue. Estudos anteriores tinham identificado um epitopo específico (PDGFRα) que é reconhecido por autoanticorpos em doentes com ES, que pode ser clonado a partir de linfócitos B de memória de um doente com ES e que pode induzir fibrose num organismo vivo. Os péptidos (fragmentos de proteína) que compõem este epitopo têm demonstrado ser especificamente reconhecidos por uma imunoglobulina (IgG) no sangue de doentes com ES, mas não de em doentes sem ES.
Neste último estudo, um desses péptidos, intitulado ‘péptido imunodominante’, foi usado pelos investigadores para desenvolver um exame ao sangue específico que pode ser utilizado para diagnosticar a ES.
Gianluca Moroncini da Universidade Politécnica Delle Marche, Ancona, na Itália, e autor do estudo, indicou que “os resultados preliminares sugerem que este novo exame ao sangue para detetar anticorpos agonistas específicos da ES pode identificar os doentes com ES, independentemente da sua extensão ‘limitada ou difusa’”.
O investigador propõe “o uso deste ensaio no rastreio prospetivo de grandes grupos de doentes afetados ou suspeitos de sofrer de ES para validar adequadamente o exame ao sangue como ferramenta”, com o objetivo de uma “avaliação da atividade da doença e ou de diagnóstico precoce de ES”.
“Embora tenhamos dados iniciais sobre a especificidade do exame ao sangue, ou seja, sobre a sua capacidade de discriminar entre doentes com a ES ativa de doentes com a doença inativa, ainda não existem dados disponíveis sobre a sua capacidade no diagnóstico precoce. A coorte de doentes para diagnóstico muito precoce de Esclerose Sistémica seria um alvo ideal para avaliar a utilidade deste novo exame ao sangue na identificação precoce de formas ativas ou progressivas de ES”, concluiu o autor do estudo.
Os investigadores começaram por “identificar um péptido específico que poderia efetivamente discriminar casos de ES de amostras de sangue de controlos saudáveis de uma grande biblioteca de péptidos de PDGFRα, que foi usada para o mapeamento de epitopos de anticorpos monoclonais anti-PDGFRα numa população de 25 amostras de pessoas com ES e 25 amostras de sangue de controlos saudáveis.” O recurso a uma segunda biblioteca peptídica de PDGFRα permitiu confirmar o epitopo imunodominante.
No estudo os investigadores indicam que “a análise estatística identificou dois subgrupos de amostras de ES: reativo versus não-reativo, sendo que o último não era distinguível dos controlos saudáveis.”
Os investigadores recorreram a uma terceira biblioteca de péptidos “para identificar o péptido reconhecido exclusivamente pelas amostras de sangue com ES reativas, retiradas de doentes com doença ativa e progressiva, enquanto as amostras de ES não-reativas foram retiradas de indivíduos com doença menos progressiva e não ativa.”