Durante décadas, os médicos têm usado antibióticos para combater a tuberculose (TB). Mas de forma consistente, a bactéria responsável pela doença, a Mycobacterium tuberculosis, tem vem vindo a reagir. Quando confrontada com os atuais medicamentes, como o antibiótico rifamicina, a bactéria sofre frequentemente mutações tornando-se resistente ao tratamento.
As taxas de resistência à rifamicina estão a aumentar de forma constante, o que representa um grande problema para os doentes e para os médicos que tentam tratar a tuberculose. Agora um novo estudo de uma equipa de cientistas da Universidade Rockefeller, mostrou que pode ter sido encontrada uma solução na natureza. O estudo, publicado na revista científica Nature Communications, sugere que um antibiótico encontrado no solo pode destruir a micobactéria mutante.
Antibióticos da natureza
A rifamicina, ou Rif, atua direcionada para a RNA polimerase (RNAP), uma enzima crucial para a sobrevivência das bactérias. A resistência desenvolve-se quando os genes que codificam RNAP sofrem mutação: Mesmo uma pequena alteração genética pode impedir que o Rif se ligue à enzima e obstrua a sua função.
Para contornar a resistência, os investigadores necessitavam, neste caso, de um fármaco que agindo como a Rif, pudesse ligar-se à RNAP, mesmo quando já houvesse mutações. Assim, enquanto alguns cientistas puderam recorrer ao laboratório para sintetizar a molécula, o investigador Sean F. Brady voltou-se para o meio ambiente.
“A rifamicina é produzida naturalmente por uma bactéria”, indicou Sean F. Brady. “Então eu queria descobrir se a natureza também tinha feito ‘análogos’ de Rif, ou seja, moléculas que se parecem com rifamicina, mas que possuem pequenas diferenças”.
Para identificar os análogos ao Rif, o investigador sequenciou os genes de micróbios encontrados em amostras de solo colhidas de locais em várias regiões. Os investigadores procuraram antibióticos que fossem geneticamente relacionados a Rif, mas com pequenas variações que lhes permitissem ligar-se a RNAPs mutantes. E foi exatamente o que encontraram.
Utilizando sondas de solo, os investigadores descobriram um grupo de antibióticos naturais, conhecidos como kanglemycins, ou kangs, que partilham a maioria os genes da rifamicina. E análises elaboradas pelo investigador James Peek vieram revelar que esses antibióticos são capazes de combater as bactérias que não respondem ao Rif.
O investigador Sean F. Brady coloca a possibilidade dos kangs poderem ter surgido em resposta às pressões evolucionárias que se encontram nos hospitais. Num cenário clínico, as bactérias reagem ao ataque de antibióticos pela evolução de mutações protetoras. Por sua vez, os pesquisadores criam antibióticos mais poderosos; e, com o tempo, as bactérias desenvolvem mais mutações para evitar esses novos ataques. Na natureza, a hipótese do investigador é que bactérias e antibióticos podem participar de uma corrida armamentista similar.
As bactérias no solo competem umas com as outras, e uma forma de uma espécie bacteriana eliminar a concorrência é produzir toxinas, como Rif, que atuam como antibióticos naturais. Assim, como as bactérias nos hospitais, as bactérias no solo respondem a essas ameaças por meio de mutações que conferem resistência às toxinas. Mas, com o tempo, as bactérias rivais também podem sofrer mutação, produzindo antibióticos ainda mais fortes, pelo que o investigador especula que as Kangs possam ser resultado desse tipo de competição.
Para Sean F. Brady “é possível que os antibióticos naturais estejam sob a mesma pressão seletiva em que estão a ser colocados os antibióticos nos hospitais”, e referiu: “E se for o caso, então veríamos análogos naturais da rifamicina, como os kangs, que superam a resistência.”
Uma bolsa de polimerase que era desconhecida
Para entender o que torna os antibióticos agora descobertos eficazes contra as estirpes mutantes de TB, os investigadores Elizabeth Campbell, Seth A. Darst, Jack Fishman e Mirjana Lilic analisaram a estrutura dos novos antibióticos. Os investigadores descobriram que, embora os kangs se assemelhem à rifamicina, os antibióticos tinham várias características distintivas, incluindo um açúcar e um ácido extra, ligados à estrutura central.
“Descobrimos que o açúcar extra permite que o kanglemycin se encaixe num bolso da RNAP que outros medicamentos não aproveitam”, esclareceu Elizabeth Campbell, e acrescentou: “Antes deste estudo os cientistas não sabiam que existia este bolso existia da RNAP.
A descoberta desta estação de ancoragem fornece aos investigadores uma nova estratégia para o desenvolvimento de antibióticos ainda mais poderosos. Agora conscientes do bolso da RNAP, até então escondido, os cientistas podem procurar, ou sintetizar, novos medicamentos que explorem esta nova ancoragem.