Ao imitar o intrincado sistema visual de uma borboleta, os investigadores criaram uma câmara que fornece aos cirurgiões uma imagem, que é em simultâneo do tipo tradicional colorida e do infravermelho próximo, que torna as células cancerosas marcadas com fluorescência visíveis, mesmo sob luz cirúrgica brilhante.
A nova câmara foi projetada para ajudar cirurgiões a remover todas as células cancerosas sem danificar o tecido saudável, tornando menos provável que o cancro se espalhe, e assim reduzindo a necessidade de múltiplas cirurgias.
“Em vez de unir sensores e óticas comercialmente disponíveis para construir uma câmara para cirurgias guiadas por imagens, procuramos inspiração nos sistemas visuais da natureza”, referiu o líder da equipa de investigação, Viktor Gruev, da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign.
O investigador acrescentou: “A borboleta morpho, com olhos que contêm nanoestruturas que detetam informações multiespectrais pode adquirir simultaneamente informações tanto de infravermelho próximo como de cores”.
No estudo publicado na revista Optica, da The Optical Society, os investigadores indicam que de acordo com os testes demonstrativos da câmara bioinspirada, esta pode detetar tumores em animais e é útil para avaliar nas pessoas o estágio do cancro da mama.
A nova câmara oferece deteção muito sensível de fluorescência, mesmo sob uma iluminação numa sala de operação padrão, pesa menos de uma bateria AA e pode ser fabricada por cerca de 20 dólares, o equivalente a 16,4 euros.
“Durante uma cirurgia, é imperativo que todo o tecido canceroso seja removido, e para isso esta plataforma de imagem permite aos cirurgiões proceder a toda à remoção do cancro em qualquer hospital do mundo, porque é pequena, compacta e barata”, referiu Viktor Gruev.
Aprendendo com a natureza
A nova câmara oferece muitas outras vantagens em comparação com as atuais câmaras que se encontram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, para a visualização de marcadores fluorescentes durante a cirurgia. Muitas das câmaras existentes no infravermelho próximo não têm sensibilidade para detetar marcadores de fluorescência em intervenções cirúrgicas, levando a que a iluminação da sala de operações tenha de ser reduzida para visualizar a fluorescência.
Outro problema com os atuais sistemas de imagem de infravermelho é o de que a imagem de fluorescência nem sempre é alinhada, ou registada em simultâneo com a do tecido de onde provém. Isso acontece porque os instrumentos aprovados pela FDA usam vários elementos óticos, como divisores de feixe e lentes de retransmissão, para separar os comprimentos de onda visível e infravermelho, de modo que cada um possa ser enviado a partir de detetores separados. Pequenas mudanças de temperatura na sala de operações podem afetar a ótica desses instrumentos, causando desalinhamentos de imagem que podem fazer com que um cirurgião perca o tecido canceroso enquanto remove desnecessariamente o tecido saudável.
Missael Garcia, investigador da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e autor principal do estudo, referiu: “Percebemos que os problemas das atuais câmaras de infravermelho poderiam ser mitigados usando nanoestruturas semelhantes às da borboleta morfo”, e acrescentou: “Seus olhos compostos contêm fotorreceptores localizados próximos uns dos outros, de tal forma que cada fotorreceptor deteta diferentes comprimentos de onda de luz de uma maneira que é intrinsecamente coregistada.”
A nova câmara usa uma configuração semelhante ao olho de borboleta, entrelaçando várias estruturas em nanoescala com uma série de fotodetetores, permitindo a recolha de informações de fluorescência em cores e do infravermelho próximo num dispositivo de imagem. A integração do detetor e da ótica de imagem num único sensor monolítico torna o dispositivo pequeno, barato e insensível às mudanças de temperatura.
O design resolve exclusivamente o problema de sensibilidade, permitindo que cada pixel receba o número de fotões necessários para criar uma imagem. Não demorou muito a criar a imagem de comprimento de onda visual para visualizar a anatomia, pois a iluminação visível no laboratório é alta. Por outro lado, como a fluorescência é tipicamente fraca, leva mais tempo para coletar um número suficiente de fotões para criar uma imagem suficientemente brilhante. Alterando o tempo de exposição para permitir que cada pixel detete os fotões necessários, uma imagem fluorescente brilhante pode ser criada sem superexposição da imagem colorida do tecido.
Testes pré-clínicos e clínicos
Os investigadores testaram a nova câmara num modelo de rato que desenvolve cancro da mama espontâneo. Isso significa que a localização exata onde o cancro vai crescer é desconhecida, assim como o número de células cancerígenas. Usando marcadores fluorescentes que se ligam às células cancerígenas, os investigadores mostraram que o sistema de imagem bioinspirado permitiu a deteção de tumores com uma precisão e sensibilidade que supera as câmaras infravermelhas de última geração aprovadas pela FDA para cirurgias guiadas por imagens.
Os investigadores também testaram a capacidade de leitura da unidade em gânglios linfáticos em 11 pacientes com cancro da mama, na Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, em St. Louis. Como os gânglios linfáticos são um dos principais locais onde o cancro da mama se espalha, os cirurgiões verificam-no para determinar o estágio do cancro.
Os pacientes foram injetados com corante fluorescente indocianina verde aprovado pela FDA que se acumula passivamente nos gânglios linfáticos e, em seguida, foram exibidas numa tela ou projetadas nos óculos usados pelos cirurgiões as imagens de fluorescência do sistema de imagens bioinspirado.
Viktor Gruev referiu: “Nós mostramos que, sob luzes cirúrgicas brilhantes, o nosso instrumento era 100 vezes mais sensível à fluorescência do que os sistemas de imagem atuais, agora temos a intenção de fazer uma cirurgia guiada pelo infravermelho”, e acrescentou: “Como o gerador de imagens bioinspirado pode revelar a fluorescência que está no fundo do tecido, isso acelerou o processo de identificação dos gânglios linfáticos ao ajudar os cirurgiões a encontrar os gânglios linfáticos que não são vistos pelo olho humano.”
Os investigadores consideram que o sistema de imagem bioinspirado pode ser útil para remover vários tipos de cancro, incluindo melanomas, cancro da próstata e cancro da cabeça e pescoço. Dada a pequena dimensão, câmara também pode ser integrada num endoscópio para procurar, por exemplo, cancro durante uma colonoscopia.
“Uma grande vantagem do nosso instrumento é seu tamanho compacto”, referiu Missael Garcia, e acrescentou: “Nós testamos o instrumento num hospital onde o espaço era apertado e vimos que não se intrometeu no fluxo do trabalho cirúrgico”.
Os investigadores estão agora a formar uma startup para comercializar o sistema de imagem bioinspirado e também a trabalhar com a FDA para projetar um ensaio clínico em que os cirurgiões possam comparar as decisões clínicas feitas com a nova câmara com aquelas que existem já aprovadas pela FDA.