Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar, as duas jovens sobreviventes da escravatura sexual do autoproclamado Estado Islâmico e defensoras da comunidade yazidi no Iraque, receberam no Parlamento Europeu o Prémio Sakharov.
No Parlamento Europeu, em Estrasburgo, Lamiya Aji Bashar lembrou que “mais de 3500 crianças e mulheres continuam reféns e são escravizadas pelo ISIS/Daesh, e que todos os dias morrem mil vezes”.
“Fui vendida quatro vezes pelo Daesh” como escrava, disse Lamiya Aji Bashar num discurso emotivo. A jovem yazidi contou como sobreviveu ao ‘calvário’ às mãos do Daesh e como ficou seriamente ferida durante a sua fuga com uma amiga de infância e uma outra menina de nove anos, também violadas pelos seus captores.
“Conseguimos escapar, mas antes de nos encontrarmos em segurança a minha amiga Kathrin pisou numa mina que explodiu. A última coisa que ouvi foram os gritos delas ao morrer. Foi o som mais horrível que alguma vez ouvi”, afirmou Lamiya Aji Bashar.
A jovem yazidi explicou como tomou a decisão de se tornar “a voz dos que não têm voz”, lembrando que mais de 3500 crianças e mulheres continuam reféns e são escravizadas pelo ISIS/Daesh, e assim, “o Prémio Sakharov dá-me força”, disse aos eurodeputados.
Laureadas apelam à proteção da comunidade yazidi.
“O Daesh e os extremistas chegaram em 3 de agosto (de 2014) para eliminar os yazidis. Deram-nos a escolher: morte ou (a conversão ao) islamismo. Não há dúvidas de que o Daesh cometeu genocídio em massa. Este genocídio não consiste apenas nas execuções, mas também no objetivo de escravizar as mulheres e as crianças de forma sistemática”, afirmou Nadia Murad.
A laureada recordou o dia em que foi raptada para ser escrava sexual e em que a maior parte da sua família foi assassinada. “A minha comunidade desintegrou-se sob o peso do genocídio”, afirmou, e pediu para que os autores dos crimes sejam julgados.
“O meio milhão de yazidis que permanecem no Iraque são os últimos membros desta comunidade no Médio Oriente”, disse Murad, apelando, juntamente com Lamiya Aji Bashar, para a criação de zonas seguras no país para os yazidi e para outras minorias.
Para Nadia Murad a Europa poderia também receber e reinstalar os yazidis no seu próprio território. “Vemos a Europa como um símbolo de humanidade, e está a confirmar isso hoje. A Europa deve continuar a ser um modelo para o mundo e um modelo para a coexistência de povos e culturas”, afirmou a laureada.
Nadia e Lamiya lutam por aqueles que ficaram para trás.
“Sofreram atrocidades indescritíveis, sobreviveram ao cativeiro e escaparam e encontraram o exílio. Superaram o medo e a dor e, finalmente, encontraram abrigo connosco aqui na Europa. Nadia Murad e Lamiya Aji Bashar lutam por aqueles que ficaram para trás. Lutam contra a impunidade e pela justiça”, afirmou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, durante a cerimónia de entrega do Prémio Sakharov.
O Tribunal Penal Internacional deve investigar os crimes cometidos pelo autoproclamado Estado Islâmico, disse Schulz, lembrando que a Europa tem o dever de proteger as pessoas perseguidas. “Nós, as comunidades democráticas que vivem nas zonas mais prósperas do mundo, às vezes recusamos oferecer proteção a estas pessoas. Esta situação é vergonhosa, é intolerável”, afirmou o presidente do Parlamento Europeu.
Martin Schulz deu também as boas-vindas aos outros dois finalistas ao Prémio Sakharov 2016, Can Dündar, antigo editor-chefe do jornal turco Cumhuriyet, e Mustafa Dzemilev, líder dos tártaros da Crimeia, que estiveram presentes na cerimónia. E voltou a apelar às autoridades sauditas para que libertem imediatamente Raif Badawi, laureado com o Prémio Sakharov em 2015.