No 4.º Congresso da Academia Europeia de Neurologia (EAN), que decorre em Lisboa, António Federico, da Universidade de Siena, apresentou uma abordagem esclarecedora sobre o impacto da imigração na Neurologia na Europa, referindo: “Embora as grandes ondas de imigração e de refugiados dos últimos anos tenham trazido grandes desafios para a Neurologia, também apresentam oportunidades, nunca antes imaginadas, para novos conhecimentos sobre as doenças cerebrais, como a esclerose múltipla e o Acidente Vascular Cerebral (AVC)”, e por isso “temos de aproveitar ao máximo este potencial.”
Diversos estudos internacionais que analisam a saúde dos migrantes têm vindo a fornecer novos conhecimentos sobre a relação entre a genética, as influências ambientais e o risco de distúrbios cerebrais.
Estudos indicam ligação de doenças neurológicas a fatores ambientais
Estudo PRESARIO do Canadá comparou o estado de saúde de quase um milhão de imigrantes recentes com cerca de três milhões de imigrantes que já tinham chegado ao país há cinco ou mais anos. O estudo mostrou que os imigrantes mais recentes tinham um risco de AVC muito menor, nas idades mais jovens, em comparação com os que já viviam no Canadá há algum tempo, isto apesar os imigrantes mais recentes terem dificuldade em aceder ao sistema de saúde e terem salários mais baixos.
Em face dos resultados do estudo “os autores do estudo concluíram que o risco de sofrer um AVC não era tanto uma questão de genética, devendo-se mais a fatores ambientais como a dieta”, indicou António Federico.
Um outro estudo na Noruega analisou a prevalência da Esclerose Múltipla (EM) em imigrantes de vários países de origem. Os investigadores descobriram que a esclerose múltipla estava mais difundida entre os indivíduos que chegaram à Noruega vindos da Europa e da América do Norte. Os imigrantes africanos e asiáticos só estavam afetados de forma limitada.
O estudo mostrou que a prevalência de EM em imigrantes na Noruega refletiu os padrões irregulares de distribuição mundial. O estudo mostrou um aumento acentuado de EM em imigrantes paquistaneses de segunda geração. “Esta descoberta dá mais peso à teoria de que fatores ambientais fortes aumentam o risco de esclerose múltipla”, realçou o especialista da Universidade de Siena.
Um estudo em Itália analisou a saúde de 114 refugiados provenientes de 25 países a viver na Toscana. O estudo mostrou que qualidade de vida dos refugiados, relacionada com a saúde, variava de acordo com o país de origem, a língua materna e, significativamente, a cidade em que foram registados inicialmente.
Como a maioria era jovem e saudável, raramente necessitava de tratamento médico, no entanto, “os dados sobre qualidade de vida mostraram que o grupo levava um estilo de vida menos saudável do que a população italiana local: consumiam mais álcool e tabaco, tinham uma dieta mais rica em açúcar e gordura e eram menos ativos fisicamente. Todos estes fatores contribuíram para aumentar o risco de distúrbios cerebrais”, resumiu António Federico.
Identificar doenças raras que chegam à Europa
Os imigrantes provenientes de outros continentes representam um problema para os neurologistas formados na Europa, particularmente no que diz respeito aos antecedentes médicos, em que os fatores geográficos e sazonais têm um papel nas doenças.
O especialista da Universidade de Siena explicou: “A maioria das pessoas é proveniente de países dos quais já temos uma imagem clara das condições de saúde pública. Mas para os que vêm de regiões mais remotas, o acesso a todas as informações médicas relevantes torna-se mais difícil.”
Os distúrbios cerebrais que são encontrados nos imigrantes abrangem um amplo espectro de doenças, incluindo doenças associadas à genética e infeções com as quais os médicos dos países de acolhimento normalmente não entrariam em contato, como por exemplo: “A doença de Behçet é uma doença excecionalmente rara na Europa, mas é relativamente comum em partes da Ásia Menor, do Médio Oriente e do Extremo Oriente. Ora, se esta doença não for diagnosticada e tratada atempadamente, pode levar a graves complicações neurológicas e cognitivas.”
Fragilidade da saúde dos imigrantes
Uma das situações que também se coloca é ao tratar os refugiados das zonas de guerra, dado que é preciso ter presente que há a probabilidade de estarem traumatizados, devido às suas experiências como pessoas deslocadas, e por isso podem enfrentar inúmeras dificuldades no país de chegada, pelo que António Federico alerta: “Esta carga física e psicológica contínua pode desencadear condições neurológicas nos refugiados, como cefaleias de tensão crónicas.”
Se um refugiado é colocado em alojamentos comunitários apertados e sobrelotados, está exposto ao risco de contrair doenças agudas e potencialmente fatais. A infeção pelo vírus varicela-zoster, a gripe, a hepatite, a tuberculose, incluindo tuberculose do SNC, a brucelose e o tifo podem ter um efeito nocivo no sistema nervoso.
A propagação de doenças infeciosas não é apenas um problema médico, também provoca medo entre as populações locais. “Os imigrantes não são perigosos, mas estão em risco”, afirmou António Federico. Foi demonstrado que as doenças infeciosas transmitidas por migrantes praticamente não têm influência na epidemiologia europeia. Dito isto, a prevalência global de doenças infeciosas pode ser maior entre os imigrantes do que entre a população geral do país de acolhimento. “Este facto aumenta ainda mais a importância de programas de rastreio rigorosos, pois permitem identificar as doenças infeciosas a tempo e tratá-las adequadamente, através de medidas como garantir stocks suficientes de vacinas.”
Barreiras culturais e linguísticas
Quando um imigrante é afetado por um problema de saúde, este passa mais tempo no hospital do que um doente do país de acolhimento, para António Federico, isto “deve-se, em parte, a barreiras de comunicação culturais e linguísticas. Em muitos casos, os indivíduos afetados têm dificuldade em explicar os seus problemas de saúde” o que leva à espera de intérpretes para haver antecedentes médicos.
Outra das dificultardes é que alguns doentes vêm de culturas que estigmatizam as doenças cerebrais, como a epilepsia, e que tais condições são subdiagnosticadas ou insuficientemente tratadas como resultado, por isso há que garantir que os “sistemas de saúde prestam assistência médica suficiente a todas as pessoas, não importando se estas pertencem à população local ou se acabaram de chegar.”
Geralmente os imigrantes sabem muito pouco sobre os sistemas de saúde do país a que chegam. As diferenças culturais, o baixo nível socioeconómico, a falta de educação formal e as barreiras linguísticas são os principais obstáculos no acesso aos sistemas de saúde, uma situação que leva os especialista da Universidade de Siena, a alertar para a necessidade de “garantir que os imigrantes sejam mais bem informados.”