Pela primeira vez, o ADN de mulheres da África Subsaariana foi avaliado com tecnologia genómica inovadora. O uso da sequenciação genómica permitiu compreender as bases genéticas que levam ao cancro da mama em populações africanas.
As mulheres africanas e afro-americanas são mais propensas do que as mulheres de outros ancestrais a desenvolverem e a morrer de cancro da mama triplo negativo. Num estudo publicado hoje, 21 de agosto de 2018, no Journal of Clinical Oncology, uma equipa de investigadores multinacional identifica os genes responsáveis pelo cancro da mama hereditário em mulheres nigerianas.
O estudo nigeriano sobre cancro da mama, baseado no sudoeste da Nigéria, decorre há mais de 20 anos, e durante este período, a incidência de cancro da mama tem vindo a aumentar de forma constante em todo o país.
“Este é o primeiro estudo a usar análise genómica de alto rendimento em mulheres africanas”, referiu Olufunmilayo Olopade, autora do estudo, oncologista em hematologia e professora de Medicina e Genética Humana, bem como diretora do Centro de Genética Clínica do Cancro e reitora associada para a saúde global na Universidade de Chicago.
Mulheres nigerianas têm maior risco de cancro da mama
“Com base em tecnologias genómicas de última geração, duas coisas foram esclarecidas”, acrescentou a coautora Mary-Claire King, professora de Medicina e Ciências Genómicas da Sociedade Americana de Cancro na Universidade de Washington, em Seattle, e acrescentou: “Os riscos para as mulheres nigerianas que carregam mutações nos genes do cancro da mama são maiores que os riscos para as mulheres nos EUA com mutações nos mesmos genes”, e o cancro da mama hereditário é percentualmente maior no total da ocorrência total de cancro da mama na Nigéria, em comparação com o que se verifica nos EUA.
Investigação mostrou os genes mutados envolvidos no cancro da mama
O estudo envolveu 1.136 mulheres com cancro da mama invasivo e 997 mulheres da mesma idade e descendência que não tinham cancro da mama. Os investigadores verificaram que a doença estava muito mais avançada no momento do diagnóstico do que se verifica nos EUA, com 86% dos pacientes a serem totalmente avaliados e diagnosticados no estágio 3 ou no estágio 4 da doença.
Quase metade das pacientes, ou seja 46%, foram diagnosticadas com cancro da mama triplo negativo (tumores que não possuem recetores de estrogénio, recetores de progesterona e recetores do fator de crescimento epidérmico humano). Este é um subtipo agressivo de cancro da mama, que provavelmente terá um mau prognóstico, mesmo em países muito desenvolvidos.
Para o estudo “Cancro da Mama Herdado em Mulheres Nigerianas”, a equipa de investigação sequenciou 25 genes associados ao aumento do risco de cancro da mama e identificou todas as mutações prejudiciais em cada um desses genes.
A equipa de investigação descobriu que um dos oito cancros da mama, no estudo, foi causado por uma mutação hereditária num dos quatro desses genes. Mutações no BRCA1 foram encontradas em 7% das pacientes e no BRCA2 em 4%, seguindo-se o PALB2 com 1% e o TP53 com 0,4%.
As mutações BRCA1 ou TP53 foram diagnosticadas em pacientes com idades mais jovens do que as outras mutações. A média de idade no diagnóstico para todos os casos no estudo foi de 47,5 anos, mas as portadoras de BRCA1 foram diagnosticadas com uma idade média de 42,6 anos. Pacientes com mutações TP53 foram diagnosticados ainda mais cedo, com uma idade média de 32,8 anos.
A investigação abre a possibilidade de salvar vidas
“A sequenciação genómica para identificar as mulheres com risco extremamente alto de cancro da mama pode ser uma abordagem altamente inovadora para a gestão de risco personalizado e para intervenções que podem salvar vidas”, indicam os autores do estudo. Dados os recursos limitados de tratamento disponíveis nesse cenário, “os serviços de prevenção e deteção precoce devem ter como alvo as mulheres com maior risco”.
Na sequência do estudo, a equipa de investigadores da Universidade de Chicago e da Universidade de Ibadan desenvolveu um modelo de previsão de risco para o cancro da mama em mulheres nigerianas e em outras mulheres da África Subsaariana. O modelo indica haver um diagnóstico positivo em mulheres nigerianas com menos 10 anos do que o que se passa com as americanas. Este modelo preditivo pode identificar indivíduos com alto risco de cancro de mama, adaptar a vigilância e sugerir estratégias de redução de risco.
Há uma necessidade urgente de abordar “o aumento das disparidades globais na mortalidade por cancro da mama que afetam desproporcionalmente as mulheres de ascendência africana”, escreveram os autores do estudo. O cancro da mama entre mulheres afro-americanas e nigerianas é mais frequentemente triplo-negativo do que em outras populações por razões complexas que permanecem pouco compreendidas.
Verifica-se haver um diagnóstico em pacientes mais jovens na Nigéria, pelo que um foco nas mulheres geneticamente de alto risco poderá, sugerem os autores, “reduzir substancialmente a mortalidade prematura por cancro da mama”.
“Pode parecer paradoxal aplicar a tecnologia mais recente em ambientes severamente limitados em recursos”, acrescentam os autores, “mas na verdade a solução encaixa-se no problema … Mulheres com risco extremamente alto de cancro da mama devido a mutações nos genes podem ser identificadas de forma barata e inequívoca, e oferecer intervenções para reduzir o risco de cancro.”
“Coordenar a equipa de médicos e cientistas e anciãos da comunidade na Nigéria não foi uma tarefa fácil, mas fizemos o trabalho apesar das limitações de recursos”, referiu Adeyinka Falusi, Professora de Hematologia na Universidade de Ibadan e laureada pela L’OREAL / UNESCO.
“Como principal instituição na Nigéria, a Universidade de Ibadan continua comprometida com a implantação da ciência e tecnologia para melhorar a saúde dos africanos no continente e em toda a diáspora”, referiu Adeyinka Falusi. “As lições aprendidas na Nigéria podem ser transferidas para outras configurações de baixos recursos nos EUA e em outros países”.
O estudo foi apoiado pelo National Cancer Institute, Koman for the Cure, a Breast Cancer Research Foundation, o Ralph e Marion Falk Medical Research Trust e John e Editha Kapoor Charitable Foundation.