Uma equipa internacional de cientistas liderada por Mass Eye and Ear, Harvard Medical School, descobriu uma nova mutação genética que pode estar na base de casos graves de glaucoma infantil, uma condição devastadora que ocorre nas famílias e pode roubar a visão das crianças aos 3 anos de idade.
Com recurso a tecnologia avançada de sequenciamento do genoma, os investigadores descobriram uma mutação no gene da trombospondina-1 (THBS1) em três famílias etnicamente e geograficamente diversas com histórias de glaucoma na infância. Os investigadores confirmaram as suas descobertas num modelo de rato com a mutação genética e que passou a desenvolver sintomas de glaucoma impulsionados por um mecanismo de doença que era desconhecido.
As novas descobertas, já publicadas no Journal of Clinical Investigation, podem levar a um melhor diagnóstico do glaucoma infantil e a tratamentos mais precoces e direcionados para prevenir a perda de visão em crianças com a mutação, consideram os investigadores.
“Esta é uma descoberta muito emocionante para as famílias afetadas pelo glaucoma infantil”, disse Janey L. Wiggs, investigador da Harvard Medical School. “Com esse novo conhecimento, podemos oferecer testes genéticos para identificar crianças numa família que podem estar em risco para a doença e iniciar a vigilância da doença e os tratamentos convencionais mais cedo para preservar sua visão. No futuro, procuraríamos desenvolver novas terapias para atingir essa mutação genética”, acrescentou o investigador.
Principal causa de cegueira infantil
O glaucoma infantil, ou congénito, é uma doença rara, mas grave, que se manifesta em crianças desde o nascimento até os 3 anos de idade. Apesar da sua raridade, o glaucoma infantil é responsável por 5% dos casos de cegueira infantil em todo o mundo.
O glaucoma causa danos irreversíveis ao nervo ótico do olho, geralmente devido ao acúmulo de pressão dentro do olho (pressão intraocular ou PIO). Em adultos, esse dano pode ocorrer ao longo do tempo sem sintomas, razão pela qual a doença é frequentemente chamada de “ladrão furtivo da visão”.
Crianças e bebés podem nascer com glaucoma e perda de visão ou perder a visão mais tarde durante a infância devido à PIO elevada. O aumento de pressão não danifica apenas o nervo ótico, mas também pode afetar outras estruturas do olho de uma criança, como a córnea. Crianças com glaucoma infantil geralmente requerem cirurgias nos primeiros três a seis meses de vida, seguidas por várias outras operações durante a infância.
No caso do glaucoma infantil, geralmente há um forte componente hereditário, muitas vezes há vários membros de uma família afetados pela doença. Para Janey L. Wiggs, ao se compreender melhor os genes envolvidos, o teste genético pode dar às famílias afetadas tranquilidade para saber se seu filho pode estar em risco de desenvolver a doença.
As bases genéticas da doença
Durante décadas, os investigadores voltaram-se para a genética para entender melhor a causa do glaucoma. Quando Janey L. Wiggs iniciou a investigação, 30 anos atrás, os cientistas só conseguiam identificar regiões do genoma afetadas pelo glaucoma. Mas graças aos avanços na tecnologia genómica, os investigadores ganharam a capacidade de revisar a composição genética completa de indivíduos com e sem glaucoma para determinar quais mutações genéticas específicas desempenham um papel na doença. A investigação liderada pelo investigador, em 2021, usou um conjunto de dados de mais de 34.000 adultos com glaucoma para identificar 127 genes associados à doença.
Para estudar melhor as mutações genéticas no glaucoma infantil, a Janey L. Wiggs e sua equipa Mass Eye and Ear primeiro analisaram as sequências de exoma de uma família americana de ascendência europeia-caucasiana que havia feito parte de um projeto de pesquisa anterior e encontrou uma variante surpreendente e nova na trombospondina-1, uma proteína bem conhecida no corpo envolvida em uma série de processos biológicos importantes, como a formação de novos vasos (angiogénese) e tecidos. Este gene mutante não foi encontrado em pessoas sem glaucoma infantil, nem em grandes bancos de dados genéticos populacionais. O aminoácido alterado pela mutação foi conservado evolutivamente, indicando um papel importante na função da proteína. Esta descoberta levou o investigador a entrar em contato com investigadores da Flinders University, na Austrália, para verificar se já tinham alguma família de glaucoma infantil com mutações de trombospondina.
“O que foi realmente surpreendente sobre essa descoberta é que todas essas famílias possuíam essa variante genética e não era possível que fossem relacionadas porque eram de origens tão diversas”, referiu Janey L. Wiggs. “Isso significava que havia algo realmente importante sobre essa mutação”, concluiu o investigador.
Para testar ainda mais a hipótese, os investigadores colaboraram com Robert J. D’Amato, Harvard Medical School. A equipa do investigador desenvolveu um modelo de rato com a mutação THBS1 e descobriu que o rato também apresentava características de glaucoma.
“A trombospondina-1 é bem conhecida como um potente inibidor do crescimento dos vasos sanguíneos, ou angiogénese”, esclareceu o investigador, que estuda a angiogénese há mais de três décadas. “A princípio presumi que as mutações THBS1 estavam interrompendo a formação de vasos sanguíneos no olho, mas os nossos modelos animais mostraram angiogénese normal. Percebemos que deve haver outro mecanismo.”
Especificamente, a investigação de Robert J. D’Amato mostrou que a mutação causava o acúmulo de proteínas anormais da trombospondina nas estruturas de drenagem intraocular do olho envolvidas na regulação da PIO, o que, por sua vez, levava a um acúmulo de pressão que danificava o nervo ótico e levava à perda de células ganglionares da retina, causando perda de visão.
Esta foi a primeira vez que os investigadores identificaram este tipo de mecanismo da doença que causa o glaucoma infantil.
“Este trabalho destaca o poder das colaborações internacionais”, referiu o coautor do estudo Owen M. Siggs do Garvan Institute of Medical Research, na Austrália. “Existe uma diversidade genética tão incrível em todo o mundo, e comparar essas informações está a tornar-se cada vez mais crítico para descobertas como esta.”
Personalizar o cuidado às famílias
O estudo tem implicações clínicas significativas, de acordo com os investigadores. Embora ainda haja mais trabalho a fazer antes que testes genéticos abrangentes possam ser oferecidos à população, cada gene encontrado apresenta outra oportunidade para identificar mutações causadoras nessas famílias por meio de triagem, referem os autores do estudo.
Terapeuticamente, o conhecimento dessa mutação genética pode levar a tratamentos mais precoces com terapias convencionais. Por exemplo, se um bebé nasce com a mutação, o oftalmologista pode informar melhor os pais sobre os riscos e desenvolver um plano de tratamento e monitoramento apropriada da doença.
A identificação do novo mecanismo e gene na raiz do glaucoma infantil também pode levar a novas terapias que visam o acúmulo de proteínas anormais. Os investigadores também pretendem determinar se outras mutações THBS1 estão envolvidas na doença de início adulto, como glaucoma primário de ângulo aberto, ou formas mais leves da doença, se a mutação não for tão pronunciada.
Os investigadores indicam que vão continuar a procurar novos genes associados ao glaucoma infantil na esperança de um dia desenvolver uma triagem abrangente.