Uma equipa de biólogos da Universidade de Aveiro (UA) e da Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem (SPVS) indicou que no primeiro semestre de 2018 foram registados 27 golfinhos (botos) mortos na costa portuguesa. As causas apontadas são a captura acidental em artes de pesca.
Catarina Eira, bióloga do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA, indicou, citada em comunicado da UA, que número de golfinhos mortos “já ultrapassa em muito os valores registados para o 1º semestre dos anos anteriores, desde que há registos”, pelo que os biólogos anteveem um cenário catastrófico para a presença destes golfinhos em águas nacionais, e estimam que podem desaparecer por completo em menos que 20 anos.
A equipa de biólogos indicou que dos “27 golfinhos mortos registados na costa entre janeiro e junho de 2018, 25 foram encontrados entre o Minho e a Nazaré, e destes, a grande maioria corresponde a arrojamentos entre a cidade do Porto e a vila da Nazaré.”
Os biólogos indicaram que “as marcas que alguns cadáveres apresentam – barbatana caudal amputada ou marcas lineares no corpo – indicam que os animais foram apanhados acidentalmente por redes de pesca.”
Extinção dos golfinhos em menos de 20 anos
A população de golfinhos na costa portuguesa estava já em declínio, e com base em dados recolhidos até 2015 os biólogos estimam que a extinção do boto em Portugal deverá ocorrer nos próximos 20 anos, mas o cenário poderá ser ainda mais negro, dado que face ao número de arrojamentos registados em 2018, é “provável que um aumento na mortalidade venha a revelar um prazo de extinção ainda mais curto” para os golfinhos nacionais, referiu Catarina Eira que também é a coordenadora do projeto LIFE MarPro, um projeto cofinanciado por fundos europeus dedicado à conservação de espécies marinhas portuguesas como o golfinho e o roaz.
A população nacional dos golfinhos abaixo dos 2000 indivíduos, em que menos de metade terá idade para se reproduzir, Catarina Eira apontou a zona entre o Porto e a Nazaré, onde um terço dos golfinhos está concentrado, como a mais preocupante para a conservação da espécie, dadas as capturas acidentais nas várias artes de pesca, e neste caso a arte xávega e a pesca ilegal.
A bióloga indicou que a zona do Porto à Nazaré “concentra uma atividade de pesca bastante intensa. Apesar dos esforços desenvolvidos pelos pescadores para evitarem as capturas acidentais, a [arte] xávega, cuja expressão é maior nesta área, pelo seu carácter muito costeiro, acaba por ser responsável por uma parte da mortalidade.”
A mesma zona, do Porto à Nazaré, apresenta “uma quantidade considerável de pesca ilegal, normalmente realizada por pequenas embarcações muito perto da costa, com redes utilizadas de maneira ilegal (semi-derivantes, não sinalizadas) ou que operam em zonas dentro de uma distância mínima da costa onde a pesca não está autorizada”, pelo que “além de prejudicar os pescadores que desenvolvem a sua atividade de acordo com a lei, por ser muito costeira, também ocasiona alguma mortalidade de boto”.
Sítios de Importância Comunitária para Cetáceos em Portugal Continental
Catarina Eira indicou que os pescadores têm apresentado uma “atitude bastante construtiva” em relação ao problema, pelo que durante o projeto LIFE MarPro, foi a consciencialização e a colaboração dos pescadores, que permitiu aos biólogos testar diferentes artes de pesca e materiais de redes, para perceber o que poderia diminuir o número de capturas acidentais.
Os biólogos concluíram que uma das soluções mais eficazes é o uso de ‘pingers’ – pequenos aparelhos eletrónicos que se fixam às redes de pesca e que emitem um som que avisa os cetáceos sobre a presença da rede.
“No caso particular do Boto, sabemos que a utilização dos ‘pingers’ nas redes fundeadas, de cerco e de Xávega, contribuem para a diminuição entre 50 a 80 por cento da captura acidental”, referiu Catarina Eira. Mas trata-se de uma tecnologia muito cara para frotas de pesca numerosas, pelo que devem ser ensaiadas “novas medidas que sejam eficazes, ou seja, que permitam a deteção da presença da rede e que representem um baixo custo económico.”
Como medida preventiva Catarina Eira apontou a necessidade de ser aprovada para a zona marinha entre a Praia da Maceda (Ovar) e a Praia da Vieira (Leiria), pela abundância de golfinhos nessa zona, um Sítio de Importância Comunitária (SIC).
Trata-se de uma figura de proteção ambiental no âmbito da Rede Natura 2000 e previsto pelas diretivas europeias. A bióloga considera que com a aprovação deste SIC poderia ser posto em prática o Plano de Gestão já proposto para estas áreas e que se encontra em Consulta Pública.
A UA indica em comunicado que o plano inclui várias medidas que podem prevenir a extinção do golfinho em Portugal como o alargamento do uso de ‘pingers’ a todas as redes de xávega, o combate à pesca ilegal ou o ensaio de novas medidas de mitigação de capturas em redes de cerco e fundeadas.