A vice-comissária geral interina da Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA na sigla inglesa), Natalie Boucly, declarou hoje perante a Assembleia Geral das Nações Unidas que “a situação em Gaza é terrível”, em que “1,6 milhões de pessoas foram deslocadas, num total de 2,2 milhões”.
A destruição de Gaza
“A escala de destruição e perda é impressionante”, em que “bairros inteiros foram arrasados”, com “pelo menos 154 escolas e outros edifícios da UNRWA foram transformados em abrigos durante a noite”, que “agora abrigam mais de 810.000 pessoas. Ou seja, metade da população deslocada”.
Natalie Boucly descreveu que Comissário-Geral da UNRWA visitou recentemente um destes abrigos – uma escola transformada em abrigo – em Rafah, e que a experiência foi “comovente”, em que “o abrigo estava superlotado e insalubre, com condições de vida que careciam de dignidade”, e onde “todos imploravam por água e comida, principalmente as crianças”.
Número de vítimas em Gaza é “chocante”
A vice-comissária lembrou que “o grande número de vítimas civis em Gaza é chocante”, em que “mais de 11 mil pessoas foram mortas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, incluindo mais de 4 mil crianças”, e entre os mortos “estão 103 colegas da UNRWA, a maioria mortos nas suas casas – o maior número de trabalhadores humanitários da ONU mortos em qualquer conflito”.
Não há lugares seguros em Gaza
“Nenhum lugar é seguro em Gaza”, referiu Natalie Boucly, e lembrou: “As autoridades israelitas pediram às pessoas que se deslocassem para o sul”, mas “nenhuma parte da Faixa de Gaza foi poupada ao bombardeamento”.
Natalie Boucly lembrou ainda que “hospitais, mesquitas, igrejas, padarias e mais de 60 edifícios e escolas da UNRWA foram atingidos em Gaza”, e que a maioria das instalações afetadas, ou seja, 60%, situava-se nas zonas do centro e do sul de Gaza, zona para a qual foram orientadas para se manterem em segurança, mesmo para “edifícios da UNRWA para serem protegidos pela bandeira da ONU”.
“Desde ontem, o apagão das telecomunicações devido à falta de combustível está a aumentar a ansiedade e a angústia das pessoas em Gaza”, e “tal como o Comissário-Geral disse ao Conselho de Segurança, tudo isto não pode ser casualmente rotulado como “dano colateral””, referiu Natalie Boucly.
A população de Gaza foi expulsa para as designadas “zonas seguras”, mas verifica-se que “as propostas unilaterais de “zonas seguras” não substituem o cumprimento do direito humanitário internacional”. “Uma “zona segura” só pode proteger os civis se todas as partes no conflito concordarem em preservar e respeitar o seu carácter civil. O que não é o caso aqui”, declarou a vice-comissária da UNRWA.
O direito internacional não é aplicado em Gaza
Natalie Boucly declarou: “O abuso do direito internacional por uma parte não diminui as obrigações da outra parte de o respeitei”.
“Devo sublinhar que a ONU não está a prestar assistência a ninguém na zona de Al Mawasi, no sul da Faixa de Gaza, uma extensão de areia de 14 quilómetros quadrados, sem infraestruturas da ONU ou outras”, e “colocar 2 milhões de pessoas ao ar livre sem infraestruturas tornará impossível prestar assistência vital, dando origem a riscos para a saúde”.
“Gaza está sitiada”, e “a 2,2 milhões de pessoas é negado o acesso aos bens essenciais da vida, o que equivale a um castigo coletivo. Simplesmente não há água, alimentos, medicamentos ou combustível, suficientes para sustentar a vida”.
Mais, indicou Natalie Boucly, “as cirurgias não estão a ser realizadas, as máquinas de suporte vital e as incubadoras estão a desligar-se e, como resultado, pessoas, incluindo crianças, estão a morrer. Para que?”
E sublinhou “uma Potência Ocupante, seja em tempo de paz ou de guerra, tem a responsabilidade de garantir que a população civil tenha acesso a alimentos, água, abrigo e outras necessidades de vida”.
Perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, Natalie Boucly, declarou: “O nosso trabalho tornou-se uma “missão impossível””, e lembrou: “Trabalhei em muitos ambientes de conflito com as Nações Unidas”, mas “esta situação é nada menos que uma farsa”, em que “a ajuda humanitária está a ser condicionada – depende de negociações políticas”. O que se pede “aos trabalhadores humanitários é que sejam cúmplices na deslocação da população”.
“Não podemos proteger totalmente as pessoas nas instalações da ONU, sob a bandeira da ONU. Não podemos chegar às pessoas necessitadas, incluindo milhares que ainda estão retidos no norte. Não podemos fornecer assistência suficiente àqueles que podemos alcançar”, e sem combustível “a nossa capacidade de trabalhar e cumprir o nosso mandato está ameaçada”.
A desumanização no conflito
“A retórica de desumanização neste conflito é preocupante, lembrando os piores momentos possíveis da história”, disse a vice-comissária.
“Os massacres de 7 de outubro perpetrados pelo Hamas foram horríveis e que nós condenamos veementemente. Mas ouvimos declarações de altos responsáveis israelitas referindo-se a TODOS os palestinianos como “animais humanos” e prometendo-lhes destruição e inferno”, ora lembrou Natalie Boucly, “esta linguagem é extremamente perigosa. Torna aceitável o que antes era inaceitável”.
“Toda a região está fervendo. Há raiva e tensão por toda parte, e isso manifesta-se no aumento da violência”, como na Cisjordânia, em que “as incursões militares israelitas e a violência dos colonos causaram um número recorde de mortes entre os palestinianos”.
Exigir um cessar-fogo humanitário imediato
“Em primeiro lugar, deve ser implementado um cessar-fogo humanitário imediato e sustentado, juntamente com a adesão estrita ao direito humanitário internacional”, sublinhou a vice-comissária: “ As guerras têm regras. Já é tempo de estas regras serem seguidas em Gaza”. “Os civis e as infraestruturas civis, incluindo as instalações da ONU que acolhem pessoas deslocadas, devem ser protegidos em todo o lado”, e em “segundo lugar, um fluxo significativo, incondicional e contínuo de ajuda humanitária, incluindo combustível, é absolutamente necessário e é necessário agora.” Bem como “todas as passagens deveriam estar abertas, em particular os pontos de passagem com Israel como Kerem Shalom.”
A vice-comissária, Natalie Boucly, referiu ainda que a UNRWA precisa de fundos para poder continuar a possuir pessoal, nomeadamente aos que estão na linha da frente em Gaza.
A terminar Natalie Boucly referiu: “É do interesse de todos, incluindo de Israel, encontrar uma solução que permita que israelitas e palestinianos vivam em paz, lado a lado. Neste momento, ninguém o faz, e provavelmente ninguém o fará, a menos que seja encontrada uma solução política justa e duradoura para este conflito. Isto não é maneira de viver.”