Estudo sobre a paramiloidose, conhecida como doença dos pezinhos, reconhecido com o Prémio BIAL de Medicina Clínica 2020. O trabalho “A Paramiloidose em Portugal e no mundo: de doença fatal a doença crónica com qualidade de vida preservada”, foi realizado por uma equipa coordenada por Teresa Coelho, Diretora do Serviço de Neurofisiologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto.
Este trabalho vencedor resultou de uma colaboração entre os dois centros de referência nacionais para a Paramiloidose Familiar e envolveu Isabel Conceição, do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Mónica Inês, docente de Econometria da Saúde no Instituto Superior Economia e Gestão e de Farmacoeconomia na Universidade Lusófona, Mamede de Carvalho, Subdiretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e João Costa, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
O estudo traça a evolução da paramiloidose desde que foi identificada pelo neurologista português Mário Corino de Andrade na década de 50, a partir do estudo clínico e patológico de um grupo de doentes oriundo predominantemente da região da Póvoa do Varzim e Vila do Conde, até aos nossos dias.
A paramiloidose, conhecida como doença dos pezinhos, é uma patologia neurodegenerativa rara e de transmissão genética. Estima-se que afete cerca de 10.000 pessoas em todo o mundo e que o maior grupo de pacientes se encontre em Portugal – com cerca de 20% do total global de doentes.
Para o presidente do júri do Prémio BIAL de Medicina Clínica 2020, Manuel Sobrinho Simões, “o trabalho vencedor conta uma história que diz muito aos portugueses e que ainda esperamos venha a ter um final feliz. Um diagnóstico de paramiloidose equivalia a uma sentença de morte. A descoberta de novos medicamentos permitiu salvar muitas vidas e diminuir os impactos negativos da doença que, apesar dos progressos registados, ainda hoje são enormes”.
O desenvolvimento de tratamentos modificadores transformou esta doença progressiva e fatal, numa doença crónica com terapias associadas a ganhos de sobrevivência e de qualidade de vida. A contribuição portuguesa para o desenvolvimento destes tratamentos modificadores foi determinante e resultou na aprovação de três medicamentos pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês).
Por serem tratamentos relativamente recentes, ainda não é possível avaliar todo o seu impacto, mas os autores estimam que os novos medicamentos e os transplantes hepáticos tenham reduzido o excesso de mortalidade de dez para quatro vezes mais do que a população em geral.
No entender da equipa coordenada por Teresa Coelho, o custo total da paramiloidose é de cerca de 52 milhões de euros, equivalente a um custo médio anual por doente de 28 mil euros. Os custos diretos representaram 79% e os indiretos 21%. Menos de 1% dos custos totais foram gastos com prevenção e aconselhamento genético. Foram perdidos 2.056 anos de vida ajustados pela incapacidade em 2016, 26% devido a incapacidade e 74% devido a morte prematura.
As conclusões do estudo mostram que os custos e a carga desta doença são relevantes, mas os gastos com a prevenção e aconselhamento genético são ainda residuais. A maioria da carga da patologia resulta ainda da morte prematura.
Os autores sublinham que os resultados reportados permitem concluir que estratégias clínicas focadas na preservação da qualidade de vida – como o acompanhamento frequente dos portadores assintomáticos, um diagnóstico atempado e tratamento adequado logo na fase inicial – modificam significativamente a sobrevida e qualidade de vida dos doentes a longo prazo. No entanto, também salientam que os tratamentos existentes não dão resposta a todos os portadores da doença dos pezinhos, pelo que será essencial realizar mais estudos clínicos para que se desenvolvam novas opções terapêuticas.
Duas Menções Honrosas para trabalhos sobre o cancro e a COVID-19
O júri do Prémio BIAL de Medicina Clínica decidiu ainda atribuir duas Menções Honrosas, no valor de 10 mil euros cada uma.
Sobrinho Simões realça a atualidade das obras galardoadas com Menção Honrosa, e indica: “O Júri distinguiu também dois trabalhos que evidenciam a pertinência e urgência da investigação em medicina, por um lado o cancro e as novas terapias personalizadas que marcam a pesquisa que se está a fazer neste campo e, por outro lado, a pandemia que marcou o ano de 2020.”
“Zebrafish Avatars, Towards Personalized Cancer Treatment, a multidisciplinary venture” é um trabalho coordenado por Rita Fior, da Fundação Champalimaud. A investigação recorre a peixes-zebra para tentar desenvolver um teste que determine a melhor opção terapêutica para cada paciente de cancro.
Atualmente, as diretrizes internacionais para a terapia do cancro fornecem opções terapêuticas com base nas taxas médias de resposta de grandes ensaios clínicos. Uma abordagem “tamanho único” que não serve todos os pacientes, já que os tratamentos podem ser eficazes para alguns doentes, mas não para outros.
Por isso, muitas vezes os doentes passam por abordagens de tentativa e erro para encontrar a melhor terapia, sujeitos a toxicidades desnecessárias e perdendo “tempo terapêutico”. Assim, um teste capaz de prever as respostas individuais antes do tratamento é uma necessidade crítica para um tratamento personalizado e dirigido.
Este trabalho resulta de uma colaboração de esforços de uma equipa multidisciplinar de biólogos, oncologistas, cirurgiões, imagiologistas, radio-oncologistas e patologistas da Fundação Champalimaud e do Hospital Fernando da Fonseca para desenvolver o modelo Avatar do peixe-zebra. Os resultados são promissores já que este modelo oferece velocidade, resolução celular e a capacidade de realizar um grande número de transplantes. Permite também a avaliação de características cruciais do tumor, como o seu potencial metastático e angiogénico, apenas possível devido à alta conservação genética entre o genoma humano e o do peixe-zebra.
O projeto inicial começou pelo cancro colorretal e de mama e está agora a ser alargado a mais tipos de cancro.
A outra Menção Honrosa premiou o estudo “Abordagem do doente crítico com COVID-19”, coordenado pelo médico João João Mendes, do Hospital Fernando da Fonseca, que analisa a resposta da medicina intensiva à primeira vaga da COVID-19.
A equipa vencedora desta Menção Honrosa reúne profissionais de saúde dos centros hospitalares de referência no combate à pandemia: José Artur Paiva, Roberto Roncon e Mário Branco do Centro Hospitalar Universitário de São João, Filipe Gonzalez do Hospital Garcia de Orta, Paulo Mergulhão do Hospital Lusíadas Porto, Filipe Froes do Hospital Pulido Valente e João Gouveia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte.
Embora a taxa de letalidade global pelo vírus SARS-CoV-2 não seja elevada (<4%), encontra-se desproporcionalmente aumentada no doente crítico, com mortalidade descrita entre os 39% e os 72%, dependendo do estudo e das características da população de doentes. Em Portugal, e reportando à primeira vaga, os autores concluem que a taxa de letalidade foi baixa. Numa análise preliminar, a mortalidade hospitalar dos internados em Medicina Intensiva na primeira vaga da COVID-19 foi inferior a 20%.
Os autores apresentam algoritmos consolidados pela experiência para as diferentes formas de terapêutica de suporte de órgão, dedicando especial interesse às diferentes, e por vezes complexas, formas de suporte ventilatório e hemodinâmico. Em relação à terapêutica específica centram a análise nos antivirais, nos imunomodeladores e anticoagulantes, entre outros, com benefícios já comprovados por ensaios clínicos, e referem outras com potencial eficácia, ainda que com utilização restrita no âmbito de protocolos de utilização clínica ou integradas em ensaios clínicos.
Nas conclusões, os autores consideram imperativa a construção de uma infraestrutura nacional no âmbito da medicina intensiva para recolher e trabalhar todos os dados obtidos pela prática, mas também para promover a colaboração interinstitucional para maximizar o acesso e recrutamento de doentes para ensaios clínicos pragmáticos que possam dar resposta às questões clínicas.