A COVID-19 pode ser transmitida de mãe para bebé através da placenta e causar no bebé lesões cerebrais. O estudo é de investigadores da faculdade de medicina da Universidade de Miami, EUA.
Em dois bebés, investigadores verificaram resultados negativos para o vírus SARS-CoV-2, no nascimento, mas elevados anticorpos ao vírus detetáveis no sangue. Concluindo que os anticorpos cruzaram a placenta ou que a passagem do vírus ocorreu e que houve uma resposta imune do bebé.
Ambos os bebés tiveram convulsões, um tamanho de cabeça menor do que o normal e atrasos no desenvolvimento. Um dos bebés morreu aos 13 meses de idade. O estudo intitulado “Maternal SARS-CoV-2, Placental Changes and Brain Injury in Two Neonates” foi publicado, a 6 de abril de 2023, na revista “Pediatrics”. Trata-se do primeiro estudo que confirma a transmissão transplacentária do SARS-Cov-2 levando a lesão cerebral no recém-nascido.
“Muitas mulheres são afetadas pela COVID-19 durante a gravidez, mas ver esses tipos de problemas nos bebés no nascimento era claramente incomum”, referiu Shahnaz Duara, da Universidade de Miami. O investigador acrescentou: “Estamos a tentar entender o que tornou essas duas gestações diferentes, para que possamos direcionar a investigação para a proteção de bebés vulneráveis.”
No início da pandemia de COVID-19, um grupo de neonatologistas observou doença pulmonar transitória e, às vezes, problemas de pressão arterial entre recém-nascidos que tiveram teste também negativo no nascimento, mas que nasceram de mães positivas para a COVID-19. Isso foi sugerido na infeção, mas não ficou claro se os problemas foram causados por citocinas inflamatórias da placenta ou se o vírus SARS-CV-2 atravessou a placenta e afetou o bebé.
“Se víssemos um bebé que se apresentasse dessa forma, daríamos o diagnóstico de encefalopatia hipóxico-isquémica (dano cerebral causado pela diminuição do fluxo sanguíneo)”, disse Michael Paidas, da Universidade de Miami. “Mas não foi a falta de fluxo sanguíneo para a placenta que causou isso. Pelo que sabemos, foi a infeção viral. A encefalopatia hipóxico-isquémica em recém-nascidos, por definição, requer um evento sentinela na mãe durante o trabalho de parto antes da deteção de lesão neurológica no recém-nascido ao nascimento.”
O neuropatologista Ali G. Saad, da Universidade de Miami, examinou ambas as placentas e encontrou alterações patológicas placentárias características causadas por SARS-CoV-2 em ambas as placentas, e também examinou grandes alterações no cérebro pela autópsia, e referiu: “Fiquei impressionado com a gravidade inexplicável da perda da substância branca e a presença de características de hipóxia/isquemia no córtex cerebral. Suspeitamos que o vírus, de alguma forma, conseguiu romper a barreira placentária para danificar o sistema nervoso central, mas isso não tinha sido antes documentado”.
O neurocientista Jayakumar Aramugam em conjunto com o investigador Michael Paidas verificaram a presença de vírus nas placentas de ambos os pacientes e também no cérebro da criança, que morreu. A análise de ambas as placentas demonstrou claramente alterações inflamatórias graves em cada placenta. Também, impressionante foi a ausência de um hormônio placentário crítico, a gonadotrofina coriônica humana, que, embora essencial para todo o desenvolvimento fetal, é particularmente importante para o desenvolvimento do cérebro.
Os autores do estudo enfatizam que as ocorrências são raras. Os médicos da Universidade de Miami observaram centenas de mulheres grávidas e parturientes com positividade à COVID-19. No entanto, apenas identificaram duas mulheres em que os bebés sofreram lesões cerebrais devastadoras. Em ambos os casos, as mães contraíram a infeção no segundo trimestre de gravidez e posteriormente a eliminaram, mas uma teve uma infeção repetida no terceiro trimestre, sugerindo que uma resposta imune materna e/ou fetal incomum ao vírus pode ter desempenhado um papel importante.
“Precisamos continuar a investigação para descobrir por que esses dois bebés tiveram resultados tão devastadores”, disse Merline Benny, especialista em pediatria, neonatologista e primeira autora do estudo. A investigadora acrescentou que uma vez entendidas as causas, “podemos desenvolver as intervenções mais apropriadas”, sendo que um próximo passo será identificar potencialmente biomarcadores para selecionar bebés de maior risco.
A equipa interdisciplinar de investigadores também incluiu o neurologista pediátrico Roberto Lopez, e o radiologista pediátrico e especialista em neuroimagem Gaurav Saigal, da Universidade de Miami. Agora toda a equipa de médicos e cientistas da Universidade espera que os resultados da investigação alertem obstetras, pediatras e criem consciência dos potenciais perigos da COVID-19 materna para os recém-nascidos, dado que até agora, os dados sugeriram um curso relativamente benigno em bebés com teste negativo após o nascimento.
Para os pais preocupados, os autores do estudo recomendam a vacinação materna pré ou gestacional para a COVID-19, como primeira linha de defesa, amamentação, bem como o uso de mascara e outras ações de precaução.