A crise desencadeada pelo ataque terrorista do Hamas e pelo contínuo ataque israelita à Faixa de Gaza é uma “catástrofe política e humanitária de proporções épicas”, disse a especialista em direitos humanos das Nações Unidas, Francesca Albanese, em entrevista a ONU News.
Francesca Albanese, especialista independente nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, disse que era “impossível descrever a dor e o sofrimento que os israelitas estão a passar por causa do que lhes aconteceu… porque não há apenas aqueles que foram mortos, aqueles que foram feitos reféns, mas há toda uma população que ficou completamente abalada”.
Sobre as palavras de António Guterres no Conselho de Segurança na passada terça-feira, quando observou que os ataques brutais dos combatentes do Hamas de 7 de outubro “não ocorreram no vácuo” como “corajosos”, Francesca Albanese sublinhou que os habitantes de Gaza “já sofreram cinco guerras mortais… durante o período em que Israel declarou um bloqueio ilegal à Faixa de Gaza, prendendo 2,2 milhões de pessoas.”
E desde 7 de outubro que os palestinianos de GAZA “têm sido bombardeados de forma imprudente com uma média de 6.000 bombas lançadas por semana”, acrescentou a especialista em direitos humanos.
As crianças não são protegidas
A UNICEF informou no início da semana que quase 2.400 crianças estavam entre os mortos, em Gaza, com mulheres e crianças a representar 66% das vítimas, um número que atualmente será muito superior, e que “todas as escolas foram alvo de uma forma ou de outra”, disse Francesca Albanese.
“As escolas foram atingidas pelos bombardeamentos, os hospitais foram atingidos pelos bombardeamentos” e “os líderes israelitas, de uma forma ou de outra, estão a culpar e a responsabilizar todos os palestinianos, em Gaza, e a punir todos os palestinianos, em Gaza, pelo que o Hamas e outros grupos militares fizeram”, acrescentou a especialista.
A ocupação de terras
A especialista independente em direitos humanos também criticou a contínua ocupação de terras palestinianas por Israel e os maus-tratos aos palestinianos, referindo: “Estamos a falar de uma potência ocupante. Israel é uma potência ocupante face aos palestinianos. Não existe um Estado palestino independente e soberano”.
“A ocupação tem sido o veículo para colonizar, brutalizar, prender e deter arbitrariamente e para levar a cabo execuções sumárias contra o povo palestiniano.”
“A comunidade internacional nunca impediu esta ilegalidade prolongada? Não. É por isso que continuo a dizer que a comunidade internacional tem uma enorme responsabilidade na catástrofe que agora se desenrola.”
Direito à legítima defesa
A especialista em direitos humanos realçou que tanto Israel como a Palestina mantêm o direito de se defenderem militarmente, embora esta resposta deva permanecer proporcional à ameaça.
“Houve uma incursão em território israelita que resultou na morte e brutalização de civis israelitas, de modo que as incursões tiveram de ser repelidas”, disse Francesca Albanese.
Uma vez repelidas as ameaças com sucesso os subsequentes bombardeamentos de alvos em Gaza representam para a especialista violações do direito internacional, e referiu: “O que Israel está a fazer é considerado por alguns Estados-Membros (da ONU) legítima defesa, o que não é. Porque como pode ser autodefesa, o bombardeamento, o bombardeamento massivo de toda uma população sob um objetivo muito opaco e vago de erradicar o Hamas?”
Direito à resistência
O direito de resistir é garantido pelo direito internacional, embora esta resistência tenha limites. A especialista em direitos enfatizou que, apesar do direito dos palestinianos de resistir à ocupação israelita, o ataque do Hamas aos civis israelitas violou o direito à resistência.
“A resistência tem regras e limites, e são as mesmas que se aplicam a quaisquer partes em conflito. Assim, cada ator envolvido na resistência torna-se responsável pela escolha de ações e métodos de resistência. E matar civis nunca é permitido pelo direito internacional.”
Alvos legítimos?
A Francesca Albanese criticou a contínua desumanização dos civis palestinianos pelo governo de Israel.
Como pode responsabilizar-se um recém-nascido?
“Isso manifesta-se nas declarações de vários líderes políticos israelitas que se referiram aos palestinianos como animais humanos, como merecedores do tratamento que estão a receber porque são todos responsáveis pelo que o Hamas está a fazer, caso contrário ter-se-iam revoltado contra o Hamas. Como se isso não tivesse acontecido”, disse Francesca Albanese.
“[O político israelita] Naftali Bennett inferiu que não há civis em Gaza, que até os bebés se tornam um alvo legítimo. Como pode ser? Como pode ser? Como pode responsabilizar um recém-nascido?”
Falhas internacionais
A comunidade internacional não conseguiu fornecer apoio adequado para pôr fim às hostilidades entre Israel e a Palestina, argumentou a Francesca Albanese.
“O que a comunidade internacional teve a oportunidade de fazer, pela primeira vez, foi mostrar apoio tanto ao povo israelita como ao povo palestiniano. Foi horrível o que os israelitas sofreram a partir de 7 de outubro e, ao mesmo tempo, a comunidade internacional perdeu a oportunidade de agir com sabedoria e imparcialidade, face a face, de uma forma que pudesse ser vista como conducente à paz.”
E também criticou os países ocidentais pelo seu apoio inabalável a Israel, apesar das violações dos direitos humanos. Podemos ser solidários com os palestinianos e ainda assim condenar as atrocidades que o Hamas cometeu. Isso é necessário.
“Os países ocidentais uniram-se, com algumas exceções, em torno de Israel, basicamente apoiando o que Israel está a fazer, a autodefesa. O que Israel faz deve estar em conformidade com o [direito] internacional. Mas isso não.”
A Francesca Albanese também apelou ao mundo árabe para que condene os ataques do Hamas a alvos civis, ao mesmo tempo que expresse o seu apoio à Palestina.
“Há uma enorme mobilização no mundo árabe em solidariedade com os palestinianos. Ao mesmo tempo, quero dizer aos que vivem no mundo árabe que podem ser solidários com os palestinianos e ainda assim condenar as atrocidades que o Hamas cometeu. Isso é necessário.”
‘Muito mais pessoas vão morrer’
A especialista em direitos humanos lamentou a situação, alegando que muitos mais irão morrer se não for feito mais para acabar imediatamente com o conflito.
“Muito mais pessoas vão morrer na Palestina, no território palestiniano ocupado, com certeza. Isto não vai parar e as intenções genocidas têm de ser abordadas” referiu a especialista da ONU.
“Realmente temo pelo que os palestinianos irão enfrentar e também temo pelo futuro destes dois povos. Sinto pelo presente deles, mas também temo pelo futuro, pelos palestinianos e pelos israelitas”, concluiu Francesca Albanese.