A cirurgia refrativa foi fundamental na evolução da oftalmologia, trazendo benefícios para diversas doenças. Destaca-se o Ceratocone, ou Queratocone, que é apontada como uma nova sub (ou super) especialidade dentro da oftalmologia. Sobre o Ceratocone, foi publicado um artigo de revisão sobre os paradoxos, paradigmas e controvérsias relacionados com diagnóstico e tratamento de ceratocone na revista Internacional de Keratoconus and Ectatic Corneal Diseases.
Os avanços em diagnóstico permitem uma deteção precoce, ou seja em fases iniciais (subclínicas) da doença, antes, mesmo, do paciente apresentar queixas ou perda da visão. O diagnóstico mais preciso é possível em função do desenvolvimento de técnicas avançadas de imagem da córnea incluindo a topografia de Plácido, a tomografia com Scheimpflug, a tomografia de coerência ótica (OCT) e o estudo biomecânico da córnea, bem como a aberrometria ocular (ou análise do wavefront).
Para Renato Ambrósio Jr., Professor Adjunto de Oftalmologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) a evolução vai estar cada vez mais relacionada com o uso racional de técnicas de inteligência artificial para auxiliar na decisão clínica.
O especialista lembrou que um trabalho de colaboração com o Instituto Humanitas, de Milão, Itália, e a Universidade Estadual de Ohio, Columbus, EUA, permitiu desenvolver o ARV (Ambrósio, Roberts & Vinciguerra), display que integra os dados dos exames de tomografia e biomecânica da córnea para aumentar a precisão do diagnóstico.
Também a nova abordagem a medicina personalizada, com uma expansão das aplicações da genética e da biologia molecular para individualizar o tratamento para cada paciente, apresenta-se em um horizonte relativamente próximo, acrescentou Renato Ambrósio.
O ceratocone é uma doença em que a córnea apresenta uma instabilidade estrutural ou biomecânica, levando à protusão.
Isto faz com que a córnea tenha mais astigmatismo e irregularidades, geralmente associadas a miopia. A doença já foi considerada relativamente rara, acometendo 1 a cada 2.000 pessoas. Mas, estudos recentes apontam que a incidência pode chegar até 1% a 5% em algumas populações.
Não há dados concretos sobre a incidência de ceratocone no Brasil, mas o especialista indica que é estimado uma pessoa afetada em 250. Dados que necessitam de serem estudados, no entanto lembra que a doença tem início na idade pré-escolar e os sintomas geralmente só tem início na adolescência.
Para além da avaliação do paciente com ceratocone, deve ser entendida a gravidade da doença, e como avaliar a progressão desta. Para isso, Renato Ambrósio Jr considera que os exames complementares são fundamentais para confirmar o diagnóstico, determinar o estádio da doença e acompanhar o paciente.
Clinicamente, o histórico de estabilidade do grau refracional e se o paciente tem vindo a verificar alterações subjetivas da visão, são neste caso dados relevantes. É aconselhável que se considere que a progressão da miopia também pode ocorrer, principalmente nos pacientes na segunda década de vida, devido ao crescimento do olho, o que pode ser monitorado com medida do comprimento axial, alerta o especialista, e acrescenta que “é importante destacar que os exames complementares permitem diagnóstico mais precoce e um acompanhamento mais detalhado, o que pode aumentar a segurança das decisões sobre o tratamento.”
Até a década de 90, o transplante de córnea era a única opção cirúrgica eficaz para reabilitação visual, em casos de ceratocone em que o uso de óculos já não auxiliavam numa boa visão, e não houvesse tolerância a lentes de contacto especiais. Um paradigma que o especialista diz quer já sido quebrado considerando-se “o advento de novas cirurgias como o implante de segmento de anel na córnea, o crosslinking e as ablações terapêuticas personalizadas.”
O professor da UNIRIO lembra ainda que “enquanto a cirurgia era reservada para reabilitação visual, o advento do crosslinking abriu uma nova frente de tratamento que é a estabilização da ectasia.”
Quando se quebra um paradigma, a tendência é que foi reestruturado um novo conceito, um novo conhecimento, por uma nova tecnologia, indicou o especialista. Assim, “enquanto esse movimento trouxe mais opções cirúrgicas, estas precisam ser muito bem consideradas e entendidas tanto pelos especialistas para a indicação correta, como pelos pacientes e seus familiares para poderem tomar decisões conscientes.”
Paradoxalmente, a decisão de uma cirurgia o ceratocone deve ser colocada imediatamente, se for realmente indicada, mas não deve ser feita se não houver indicação terapêutica, indica Renato Ambrósio Jr. A indicação terapêutica de cirurgia para o ceratocone ocorre se há dificuldade visual, apesar dos óculos ou lentes de contato, bem como se há progressão da ectasia.
No entanto, a abordagem refrativa pode ser considerada em casos especiais, com o objetivo de reduzir dependência de correção por óculos e lentes de contato. Entretanto, as diferenças entre cirurgia terapêutica e refrativa devem ser consideradas.
Para o especialista a abordagem individualizada, com base no quadro clínico e as necessidades de cada paciente, deve ser tida em conta para determinar a indicação de cirurgia, bem como determinar qual procedimento e fazer e o respetivo planeamento.
Para aumentar o conhecimento sobre a doença foi em junho, a campanha Violet June – uma campanha de conscientização sobre o ceratocone, com a ideia principal: Não coçar os olhos, pois o ato de coçar prejudica a visão.
A campanha tem o apoio da Zeiss, Hemisfério Óptico, Allergan, Genom e Mediphacos, além das instituições científicas CBO, SBO, SBAO e BRASCRS. Todas as empresas e instituições sabem da importância de um maior conhecimento da doença por parte do paciente. A campanha vai até 10 de novembro, Dia Mundial do Portador de Ceratocone.