Um relatório especial publicado, na edição de 29 de março, do New England Journal of Medicine, detalha as sérias preocupações da comunidade médica no caso de um grande evento nuclear. O que é que os médicos poderia fazer ou não fazer para ajudar as pessoas.
O relatório da autoria de dois dos principais especialistas no campo da medicina: Robert Gale, professor visitante de hematologia, do Imperial College London, e James Armitage, na divisão de oncologia e hematologia do Centro Médico da Universidade de Nebraska.
O relatório reafirma uma das mais conhecidas verdades, ou seja, “como em todos os remédios, é melhor prevenir do que remediar”. Para os especialistas “a melhor abordagem é um plano de longo prazo cuidadosamente concebido dentro do sistema de educação pública para fornecer lições sobre a biologia da radiação.”
Os especialistas acrescentam que “como o assunto não é geralmente ensinado de forma adequada nas escolas de medicina os médicos inclusive, também devem ser obrigados a frequentar um curso informativo, tal como é exigido em vários Estados para darem respostas ao abuso infantil, ou sobre opções terapêuticas para o cancro de mama e próstata e para a gestão da doença de Alzheimer.”
Os autores do relatório referiram que a força destrutiva média das armas nucleares modernas é aproximadamente igual a 1 megaton de TNT. No entanto, a bomba de hidrogénio RDS-220 da Rússia equivale a 50 megatons de TNT, ou cerca de 5 mil vezes mais potente do que a “Little Boy”, a bomba que foi lançada em Hiroxima.
Nesta escala os especialistas referiram: “Planear uma resposta médica eficaz no caso de um ataque com armas como essas é inútil.”
Tecidos como pele, pulmão, trato gastrointestinal e medula óssea são os mais gravemente afetados no caso de uma explosão nuclear.
Num cenário de ataque com um dispositivo nuclear improvisado, o número de mortes imediatas poderia ser de aproximadamente 100.000 e de mais 100.000 pessoas a necessitar de intervenção médica. Muitas das pessoas mortas seria pessoal de socorro e médico, e muitos dos médicos que sobrevivessem seriam expostos a altas doses de radiação gama e de neutrões.
Para os dois especialistas, um método simples de triagem de um grande número de pessoas potencialmente expostas passaria por excluir as que não tivessem tido náuseas e vómitos no período de quatro horas.
Mas também alertam que seria muito difícil determinar quais os pacientes que poderiam beneficiar de um transplante de medula óssea, e estimar a dose precisa de radiação para esses pacientes também seria difícil. Por exemplo, se o braço ou a perna de uma pessoa esteve protegido por um automóvel ou por betão, parte da medula óssea pode estar exposta ou menos exposta, e o transplante de células hematopoiéticas pode não ser necessário.
Os autores do relatório referiram que é improvável que os médicos sejam capazes de tomar decisões corretas e informadas sobre os benefícios e riscos de diversas intervenções médicas, especialmente aquelas com potenciais riscos adversos.
Experiências vindas de eventos nucleares muito menores, como os acidentes das instalações nucleares de Chernobyl e Fukushima, sugerem que o melhor planeamento é irreal e provavelmente não seria eficaz no caso de um grande evento terrorista nuclear ou radiológico, e os especialistas acrescentam que o planeamento “é obviamente inútil se uma arma nuclear é detonada ou no caso de uma guerra nuclear limitada.”
Os especialistas em medicina escreveram no relatório que “houve pouco progresso na educação de autoridades governamentais, políticos e do público sobre as reais consequências da exposição à radiação ionizante.”
Várias tendências e eventos recentes são perturbadores. Tais como:
- A violação pela Rússia do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio de 1987;
- A aprovação pelo Congresso dos EUA de medidas para expandir e aumentar a capacidade das armas nucleares do arsenal norte-americano;
- A permissão dada pela Administração Trump à Força Aérea para desenvolver um míssil nuclear furtivo de cruzeiro e para começar a substituir os antigos mísseis Minuteman dos silos nos EUA;
- O desenvolvendo, pelos EUA, de armas nucleares mais pequenas que possam ser usadas em configurações táticas, já que uma menor dimensão das armas aumenta a probabilidade de serem usadas e aumenta o número de armas que podem vir a ser roubadas por terroristas ou transportadas para os EUA;
- A modernização global das armas nucleares, em que os enormes arsenais de armas nucleares e o colapso dos tratados de armas nucleares representam ameaças extraordinárias e inegáveis para a continuação da existência da humanidade.
“Educar funcionários do governo, políticos e o público sobre o risco do terrorismo nuclear é essencial”, concluíram os autores do relatório. “Entender o que podemos alcançar – e especialmente o que não podemos realisticamente alcançar – com a preparação médica também é essencial”.
O relatório especial ainda refere que as instalações de energia nuclear são há muito tempo consideradas um alvo de qualquer tipo de ataque nuclear. Robert Gale, que foi o principal médico dos EUA que esteve envolvido no acompanhamento do acidente nuclear de Chernobyl, em 1986, referiu que as preocupações associadas às instalações de energia nuclear foram validadas por relatos no início deste mês de que a Rússia estava a conduzir ataques cibernéticos a instalações de energia nuclear dos EUA.