As alterações climáticas que levaram o ártico a entrar num novo estado ecológico, provocaram alterações na dinâmica espácio-temporal dos animais que habitam a região, esta é uma das conclusões do estudo de monitorizar dos movimentos de animais que habitam a zona polar ártica, que envolveu, durante 30 anos, cerca de 150 investigadores de mais de 100 instituições, entre os quais o biólogo José Alves, da Universidade de Aveiro (UA).
Os resultados do estudo já publicado na revista Science monstra como aves migradoras alteraram os seus padrões migratórios e várias populações de renas mudaram a sua fenologia reprodutora em resposta às alterações climáticas no ártico.
O estudo mostra ainda que os ursos, alces e lobos não modificaram as suas taxas de deslocação em resposta à precipitação, embora os alces se movimentem mais com as temperaturas mais altas no verão, sugerindo diferenças nestas respostas em diferentes níveis tróficos do ecossistema ártico.
José Alves, investigador no Departamento de Biologia e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), um dos laboratórios Associados da UA, e coautor do artigo, indica que “no ártico, o aquecimento global tem-se manifestado de forma muito notória, pois as temperaturas têm aumentado nos polos de forma mais acentuada do que no resto do globo, um fenómeno denominado por amplificação polar ártica”. Este fenómeno “coloca os animais que habitam esta região na linha da frente dos efeitos das alterações climáticas”.
Artur Silva, vice-reitor da UA para a Investigação referiu: “Este estudo, e outros desenvolvidos pelo Investigador e sua equipa, mostram a relação que existe entre comportamentos e alterações fisiológicas dos referidos animais e as alterações climáticas do planeta”.
Trata-se de uma “investigação de excelência”, agora publicada na prestigiada revista Science, o que mostra que “o investigador José Alves, um dos bons representantes da comunidade científica da Universidade de Aveiro, contribui com os seus estudos para alertar o Mundo para as consequências do aquecimento global”.
Recursos tecnológicos apoiam investigação
Com recurso a aparelhos eletrónicos de seguimento, como é o caso dos transmissores GPS, os investigadores têm desenvolvido programas de monitorização remota com mamíferos marinhos, baleias e focas, aves terrestres, como as águias e os passeriformes, passando pelas aves marinhas, como a andorinha-do-mar ou o airo, e mamíferos terrestres, como ursos e renas, até às aves limícolas, como o ostraceiro ou o maçarico-de-bico-direito.
Inicialmente, apenas animais de maior porte tinham capacidade para transportar os equipamentos para monitorização, mas os novos equipamentos de georreferenciação que pesam apenas 1 grama permitiu aos investigadores aumentar e diversificar a monitorização de várias espécies transformando-as em autênticos biossensores.
Com os atuais recursos disponíveis os investigadores registam os movimentos dos animais com muita precisão e podem quantificar alterações nas suas deslocações, em grande detalhe. Seguindo os animais é possível perceber como estes respondem (ou não) às alterações que ocorrem nos seus habitats. Assim, conhecer como “o ártico está a mudar, e a forma como estas espécies usam estes habitats”.
Respostas às alterações climáticas não são sempre favoráveis
Os investigadores verificaram que à primeira vista pode parecer que os animais estão a responder às alterações no clima, contudo nem sempre estas respostas são suficientes ou se traduzem em resultados favoráveis para estas populações.
O biólogo José Alves, que estuda as aves limícolas na Islândia desde 2006, indicou o caso do ostraceiro, uma ave migradora que tem uma proporção cada vez maior de aves residentes. Passam o inverno na Islândia, enquanto as restantes migram para o Reino Unido, Irlanda e continente europeu durante os meses mais frios do ano.
Esta alteração de comportamento não é alheia aos invernos cada vez mais amenos que se têm vindo a fazer sentir no país. Contudo, “quando há um inverno mais rigoroso, como no ano passado, várias destas aves acabam por morrer! E esse é um preço muito alto a pagar”. Esta alteração no comportamento e movimentos migratórios dos ostraceiros que se reproduzem na Islândia faz com que esta seja a latitude mais a norte onde passam o inverno.
O investigador verificou também alterações na fenologia destas espécies. Como no caso do maçarico-de-bico-direito, que tira partido da antecipação da primavera chegando às zonas de reprodução na Islândia cada vez mais cedo no ano. Como a duração de temperaturas favoráveis tem vindo a aumentar leva os agricultores a expandirem a área agrícola, que tirar partido de épocas mais longas para crescimento de feno (uma das poucas culturas viáveis nestas latitudes), leva os maçaricos a colocar cada vez mais os seus ninhos nas zonas agrícolas.
No entanto, dado o rápido crescimento destas plantas não permite o tempo suficiente para a incubação dos ovos e o crescimento adequado das crias antes do período das ceifas, pois como explicou o biólogo, “o tempo de incubação e crescimento das crias é praticamente o mesmo independente da temperatura. Estes ritmos não se alteram muito devido a fatores extrínsecos”.
O investigador acrescentou: “São processos que estão ajustados aos habitats naturais no ártico e subártico, mas desadequados para feno de crescimento rápido plantado nestes habitats artificiais, que se têm expandindo devido às alterações climáticas que aí se fazem sentir”.
Evitar a 6ªvaga de extinção
Para o investigador, num momento em que se planeia o relançamento da economia na Europa, devem ser promovidos esforços para reduzir as emissões de carbono, limitando o aquecimento global que se faz sentir de forma muito prevalente no ártico.
“É preciso dar tempo a estas espécies de responder às alterações que enfrentam, para que se evite a cada vez mais evidente 6ª vaga de extinção, que é consequência da ação humana”.
Atualmente o biólogo José Alves e outros investigadores estão a monitorizar e seguir aves limícolas no estuário do Tejo. Muitas destas espécies migram para o ártico e subártico na primavera e a maior e mais importante zona húmida de Portugal para as aves limícolas desempenha um papel fundamental nesta fase do ano, permitindo que estas aves cheguem nas melhores condições aos seus locais de nidificação nessa região.