Centenas de abelhas mumificadas há quase três mil anos dentro de seus casulos foram encontradas na costa sudoeste de Portugal, num novo sítio paleontológico, em Odemira.
A descoberta foi feita por uma equipa de investigadores internacionais, incluindo Carlos Neto de Carvalho, do Instituto D. Luiz, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Fernando Muñiz, do departamento de Cristalografia, Mineralogia e Química Agrícola da Universidade de Sevilha. A descoberta foi publicada recentemente na revista internacional Papers in Palaeontology, sob o título “Eucera bees (Hymenoptera, Apidae, Eucerini) preservados nas suas células de cria de paleossolos do Holoceno tardio (Neoglacial médio) do sudoeste de Portugal”.
O estudo descreve abelhas “prontas para deixar os ninhos ou células em excecional estado de conservação”, descobertas dentro dos casulos. Dentro dos casulos também foi encontrado alimento que parece ser pólen de Brassicaceae, ou melhor, retirado de espécies herbáceas comuns, o que também mostra a preferência das abelhas por uma determinada variedade monofloral.
Os autores do estudo indicam que o bom estado de fossilização em que as abelhas foram encontradas é “extremamente raro”, uma vez que o esqueleto deste tipo de inseto se decompõe rapidamente. O magnífico nível de conservação permitiu à equipa de investigadores estabelecer o tipo de abelha, o sexo e até o pólen deixado pela abelha fêmea ao criar o casulo.
Falta de oxigénio e mudanças de temperatura como causa da morte
As abelhas são um dos grupos mais importantes de insetos polinizadores e incluem mais de 20.000 espécies. Aproximadamente três quartos de todas as espécies de abelhas selvagens nidificam no solo e passam a maior parte do seu ciclo de vida no subsolo, o que facilita a preservação das suas estruturas de nidificação.
No artigo, os investigadores descrevem densas agregações de milhares de ninhos fósseis por metro quadrado no sudoeste de Portugal. A maioria dos ninhos ou células foram atribuídas ao icnogénero Palmiraichnus.
A descoberta deste icnogénero representa uma oportunidade única para estudar com maior detalhe a arquitetura bem conservada dos locais de nidificação e estabelecer as potenciais causas ambientais que levaram à morte das abelhas e ao sepultamento que manteve os exemplares em tão bom estado de conservação, durante 3.000 anos.
O estudo indica que a causa da morte das abelhas continua a ser um mistério, mas a falta de oxigénio causada pelas inundações repentinas e a consequente queda da temperatura noturna podem muito bem ser as razões. A costa sudoeste de Portugal conheceu períodos ligeiramente mais frios e com maior precipitação durante o inverno no intervalo Neoglacial, condições climáticas favoráveis para o estudo destes fósseis.
“As abelhas são insetos polinizadores e como tal são essenciais para os ecossistemas, na medida em que qualquer redução no seu número afetaria diretamente a biodiversidade, ou melhor, as muitas espécies de plantas e animais que delas dependem direta ou indiretamente, incluindo os seres humanos. Por exemplo, sabemos que as abelhas polinizam 70% das culturas que as pessoas comem e 30% dos alimentos para o gado. A atividade humana, como a agricultura intensiva, a utilização de pesticidas e inseticidas e as alterações climáticas estão a criar uma situação em que uma em cada dez espécies de abelhas está em perigo de extinção na Europa”, comentou Fernando Muñiz.
“Descobrir e interpretar as razões ecológicas da presença desta população de abelhas e porque é que morreram e foram mumificadas há 3.000 anos, pode ajudar-nos a compreender e estabelecer estratégias de resiliência face às alterações climáticas, como comparar os desequilíbrios ecológicos causados pelos parâmetros naturais e pelos atuais e pela forma como estão afetando as espécies de abelhas de hoje”, disse o investigador principal, Carlos Neto de Carvalho.