A sépsis é um sério problema de saúde global, que afeta mais de 18 milhões de indivíduos por ano, correspondendo a 1.400 mortes por dia. Na Europa estima-se que a sépsis provoque 135 mil mortes e obrigue a 7,6 mil milhões de euros em tratamentos, e nos Estados Unidos da América a estimativa aponta para 215 mil mortes e 17,4 mil milhões de euros em tratamentos.
A septicemia é uma infeção geral grave do organismo causada por micróbios patogénicos. Uma inflamação sistémica que pode levar à morte, dado que nos casos mais severos a pressão sanguínea desce e os órgãos acabam por parar de funcionar resultando na morte do paciente.
A sépsis é uma resposta descontrolada do corpo a uma infeção sistémica, isto é, espalhada por diferentes partes do corpo. A sépsis pode continuar, mesmo após a infeção e mesmo depois de ser eliminada a causa que a provocou, e levar a uma disfunção de órgãos.
O sistema imune de um indivíduo infetado tenta eliminar os micróbios responsáveis pela infeção, em muitos casos com sucesso, mas durante este processo provoca alterações significativas no normal funcionamento de órgãos vitais como o cérebro, coração, fígado, rins ou pulmões.
Os pacientes com sépsis têm respostas muito diversas à infeção, que dependem não só do tipo de infeção mas também das suas características genéticas, de outras doenças e da idade. Isto é o que já é conhecido, mas o que os cientistas não sabem é “o facto de apesar do uso de antibióticos conseguir controlar os microrganismos que causam infeção, alguns pacientes sucumbem enquanto outros recuperam.”
Para tentar desvendar o comportamento diferenciado dos pacientes perante a mesma situação, “durante os últimos cinco anos, uma equipa de investigadores liderada por Miguel Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, baseou-se no conceito de que os indivíduos que não sucumbem à sépsis desenvolvem uma resposta protetora que mantém a função dos órgãos vitais, conferindo tolerância à infeção.”
Recorrendo a modelos experimentais de sépsis em ratos de laboratório, a equipa de investigadores de Miguel Soares “descobriu agora um mecanismo que é vital para conferir essa tolerância” à infeção.
Miguel Soares esclareceu, citado em comunicado do IGC, que era conhecido que “um elemento chave para promover a tolerância à infeção é como os níveis de ferro são controlados em diferentes tecidos”, e outros cientistas “tinham mostrado que a patogénese da sépsis está associada com a desregulação do metabolismo de glucose (açúcar).”
“O que descobrimos agora é que estes dois fenómenos estão intimamente interligados. O controlo do metabolismo do ferro é necessário para manter a produção de glucose no fígado, de modo a que este açúcar possa ser usado como fonte vital de energia para outros órgãos”, afirmou Miguel Soares.
Sebastian Weis, médico a fazer pós-doutoramento na equipa de Miguel Soares, “induziu sépsis em ratos de laboratório e comparou a progressão da doença em ratos com ou sem ferritina, uma proteína que controla o ferro no fígado”, e verificou que “a ferritina é absolutamente necessária para que o fígado produza glucose depois da infeção, e assim proteger o rato de sucumbir à sépsis.”
Sebastian Weis esclareceu que, “em ratos, depois da infeção, existe um aumento dos níveis de glucose no sangue seguido de uma quebra repentina que pode ser letal. Em humanos isto também acontece num subgrupo de pacientes, e sabe-se que isto induz uma maior mortalidade.”
O investigador, que se encontra atualmente a trabalhar na Jena University Hospital, na Alemanha, referiu que os “resultados mostram que a ferritina controla a produção de glucose no fígado de modo a que os níveis de glucose no sangue sejam mantidos dentro de um limite que permita a sobrevivência. Sem ferritina, os níveis de glucose continuaram a descer e os ratos morreram de sépsis.”
Ana Rita Carlos, uma investigadora doutorada da equipa de Miguel Soares, descobriu que “a razão pela qual a ferritina é necessária para que o fígado produza glucose prende-se com um mecanismo molecular que controla a expressão de um ou mais genes envolvidos neste processo.”
A investigadora esclareceu ainda que “quando a ferritina está ausente, o ferro desregula a produção da proteína glucose-6-fosfatase e o fígado perde a capacidade de secretar glucose. Quando isto acontece, a glucose não consegue ser usada por outros órgãos vitais como fonte de energia.”
A coautora deste estudo adiantou que “ao mesmo tempo que é essencial para muitas funções celulares vitais, o ferro tem de ser controlado no fígado para que não interfira com a produção de glucose. O mecanismo molecular através do qual isto ocorre depende da produção de ferritina, um complexo proteico que liga o ferro e evita que este interfira com a produção de glucose.”
O estudo desenvolvido pelos investigadores liderados por Miguel Soares acaba de ser publicado na revista científica ‘Cell’, e mesmo tratando-se de uma investigação fundamental pode “ter um impacto global no tratamento de uma doença séria”. Miguel Soares referiu que estas e outras descobertas podem “vir a ser traduzidas em tratamentos para doenças importantes”.
O IGC indica em comunicado que o “estudo foi conduzido no Instituto Gulbenkian de Ciência em colaboração com Jena University Hospital, na Alemanha, e a Université Claude Bernard Lyon, na França”.
O comunicado refere ainda que “o trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pelo Programa Harvard Medical School Portugal, pelo Conselho Europeu de Investigação, pela Deutsche Forschungsgemeinschaft, pelo Ministério de Educação e Investigação Federal Alemão, pela Agência Nacional de Investigação Francesa, e pela Medical Research Foundation.”