Neste artigo, a neuropsicóloga, Margarida Rebolo, avança com algumas questões que vão ser destacadas na primeira sessão, no dia 6 de fevereiro, sob o tema “Como lidar com as alterações cognitivas e comportamentais”.
Todas as pessoas com demência sofrem alterações cognitivas e comportamentais?
A demência diz respeito a um conjunto de doenças progressivas que afetam a cognição (ex: memória ou atenção) e o comportamento, pelo que todos os indivíduos com esta condição experienciam alterações em pelo menos um destes domínios. É muito frequente existirem problemas cognitivos e comportamentais em simultâneo.
Sabemos que os cuidadores têm mais dificuldade em aceitar e gerir mudanças de comportamento ou da personalidade do que as alterações cognitivas decorrentes da doença. Por exemplo, poderão ter mais dificuldade em aceitar a verbalização de palavrões (que anteriormente não era habitual) do que esquecimentos.
Quais as alterações cognitivas e comportamentais mais comuns na demência?
As funções cognitivas afetadas, pelo menos numa fase inicial, dependem do tipo de demência em questão. Se estivermos a falar na doença de Alzheimer (o tipo de demência mais prevalente) o sintoma mais notório é a dificuldade em recordar coisas recentes, o que pode levar a que a pessoa não se lembre de eventos importantes e que repita a mesma pergunta ou afirmação várias vezes. Também podem existir alterações ao nível da capacidade de concentração, da linguagem e da percepção visual, por exemplo. Em fases mais avançadas as alterações são difusas, não havendo um perfil tão distintivo.
As manifestações comportamentais decorrentes da demência podem passar por perda de interesse nos amigos ou nas atividades de vida diária, negligência pessoal (aparência e higiene), agressividade, deambulação, desinibição, acumulação de objetos, entre outros.
É possível prevenir estas alterações?
Não é possível prevenir as alterações cognitivas pois elas são uma manifestação incontornável da doença. No entanto, existem estratégias que podem ser postas em prática de modo a diminuir a exigência cognitiva das tarefas do dia-a-dia, acabando por penalizar menos a pessoa com demência. A estimulação mental e física através da participação em atividades significativas pode contribuir para desacelerar o ritmo de deterioração cognitiva.
Quando as alterações comportamentais são uma consequência direta da doença – pela afetação da região cerebral responsável por inibir comportamentos desadequados – não é possível preveni-las. No entanto, existem intervenções farmacológicas e não farmacológicas que permitem diminuir a intensidade das mesmas.
Ainda assim, muitas vezes as manifestações comportamentais são reativas a um estado interno ou fator externo negativo. Alguns destes comportamentos podem sinalizar necessidades básicas da pessoa que não estão a ser supridas (ex: fome, dor, aborrecimento, isolamento). Neste caso, garantir que a pessoa está sempre confortável e segura pode ser uma boa forma de prevenir comportamentos indesejados.
No caso de uma pessoa com demência, o comprometimento cerebral pode levar a que tenha uma perceção da realidade diferente da das pessoas saudáveis (por exemplo, pode estar desorientada no tempo e no espaço e pode não se lembrar de algum evento recente). No entanto, o facto de a pessoa ter uma visão diferente da dos outros não é suficiente para gerar comportamentos desafiantes. Estes normalmente surgem quando a pessoa com demência é confrontada com uma realidade que, pela doença, não é a sua. Por exemplo, tentar convencer a pessoa com demência que não está a ver a sua mãe mas sim o seu reflexo no espelho pode levar a um quadro de agitação e agressividade.
O que fazer perante estas alterações?
Um dos aspetos mais importantes a considerar quando abordamos pessoas com demência é focarmo-nos nos seus pontos fortes e não na evocação de factos. Se pedirmos a opinião à pessoa esta poderá ser engraçada, triste, incomum e até controversa, mas nunca estará errada. Cada pessoa poderá ter a sua opinião. Assim, em vez de, por exemplo, perguntar “Onde passou as férias do verão?” (uma pergunta de memória, que tem uma resposta certa ou errada), pergunte “Prefere campo ou praia? Porquê?” ou “Para onde é que me aconselha a ir viajar?” (perguntas de opinião). A comunicação com uma pessoa com demência não deve ser um teste de memória, pelo que devemos evitar fazer perguntas como “Lembra-se de…” ou “Sabe qual é…?”. Reduzir as exigências de memória promove a participação e garante o sucesso da atividade.
Quando a pessoa com demência manifesta um comportamento indesejado, a primeira reação de quem a rodeia é de tentar modificar esse comportamento. No entanto, o mais provável é a pessoa com demência não responder favoravelmente à sua solicitação. Em vez disso, podemos tentar lidar com o comportamento da seguinte forma:
- É importante ter presente que aquele comportamento é resultante de uma patologia que perturba o funcionamento cerebral e não levá-lo a peito;
- Se o comportamento for agressivo pode ser útil retirarmo-nos da situação dando espaço à pessoa e, passado algum tempo, reaproximando-nos calmamente. Devemos evitar ao máximo discutir;
- Devemos utilizar um tom de voz calmo e suave;
- Será que existe algum factor que possa estar na origem daquele comportamento? Estará a pessoa com fome? Cansada? Com dores? Aborrecida? A sentir-se só? Poderá ser um efeito secundário da medicação?
- Podemos tentar responder à emoção subjacente e não ao comportamento. Por exemplo, se a pessoa com demência estiver constantemente a perguntar por determinado membro familiar, pode precisar de ser assegurada de que essa pessoa está em segurança. Não devemos contrariar nem tentar empregar um raciocínio lógico, pois isto poderá frustrar a pessoa com demência.
Para mais informações e inscrições nesta ou noutra sessão do ciclo, consulte o sitio na Web ou Facebook do NeuroSer.
A autora do artigo, Margarida Rebolo, é Neuropsicóloga do NeuroSer, Centro de Diagnóstico e Terapias dedicado às doenças neurológicas