Pneumologistas alertam para diagnóstico e tratamento do cancro do pulmão

Pneumologistas alertam para diagnóstico e tratamento do cancro do pulmão
Pneumologistas alertam para diagnóstico e tratamento do cancro do pulmão. Foto: Rosa Pinto

Três comissões de trabalho da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) alertam, no âmbito do Dia Mundial do Cancro do Pulmão, que se assinala a 1 de agosto, para a necessidade de uma equipa multidisciplinar na abordagem da doença e do papel de toda a comunidade na prevenção do cancro do pulmão, que, apesar dos avanços terapêuticos, continua a ser dos mais letais.

Para o alcance dos melhores resultados clínicos é necessário o contributo, envolvimento e dedicação de várias especialidades, em todos as fases, desde a prevenção, diagnóstico precoce, tratamento, nas suas diferentes modalidades”, indicam Gabriela Fernandes e Margarida Dias, representantes da comissão de Pneumologia Oncológica da SPP.

Entre as diversas disciplinas, as especialistas consideram devem fazer parte do estudo: “Medicina Geral e Familiar, Pneumologia, Radiologia, Anatomia Patológica, Cirurgia Torácica, Oncologia, Radio-Oncologia, Biologia Molecular, Cuidados Paliativos, e muitas outras áreas, não menos importantes, como psicologia, apoio nutricional e apoio social”.

No entanto, a prevenção está nas mãos de TODOS nós, indica a SPP. “Cada cidadão pode escolher não consumir produtos de tabaco. Os decisores políticos têm nas suas mãos a tomada de medidas antitabágicas eficazes e, assim como outras como ode controlo das emissões de gases para a atmosfera. Às empresas cabe-lhes adotar mecanismos de redução da libertação de agentes poluentes para o ambiente e por estratégias de proteção dos seus trabalhadores. As escolas devem, desde cedo, incluir programas de promoção de saúde dirigidos aos alunos”.

Todos os intervenientes são importantes”, sublinham Gabriela Fernandes e Margarida Dias, e acrescentam: “Fomentar políticas fortes antitabágicas, não excluindo as novas formas de consumo de nicotina, nem as exposições ambientais e profissionais deletérias; informar e educar sempre e em qualquer oportunidade, para os fatores de risco e sintomas de alerta; educar toda a população; prevenir por todas entidades responsáveis; e cuidar com equidade, garantindo o acesso ao rastreio, ao diagnóstico precoce, ao tratamento mais adequado, mais preciso e atempado” são medidas que podem ajudar a minimizar o impacto do cancro do pulmão.

Em Portugal, dados mais recentes do Registo Oncológico Nacional apontam que este é o segundo tipo de cancro mais frequente e, também, a primeira causa de morte por cancro, correspondendo a uma em cada cinco mortes por neoplasia. O tabagismo continua a ser o principal fator de risco de desenvolvimento da doença, sendo responsável por cerca de 80% dos casos. Porém, “existem outros fatores, nomeadamente a exposição ocupacional a asbestos, radão, arsénio, a combustão de biomassa e fatores genéticos. De realçar que 20% dos casos ocorrem em não fumadores, pelo que, o facto de um indivíduo não fumar, não deve excluir um potencial diagnóstico”.

Diagnóstico precoce

Quando diagnosticado precocemente, o cancro do pulmão tem maior hipótese de cura, podendo a taxa de sobrevivência aos 5 anos superar os 90%. Do ponto de vista do diagnóstico, “as técnicas endoscópicas têm um papel central para caracterizar o cancro do pulmão”.

A broncofibroscopia é o exame mais utilizado, permitindo a visualização da traqueia e brônquios nas suas várias divisões, realizar biópsias e colheitas de vários produtos, e até ter intuito terapêutico nalgumas lesões muito iniciais. A ecoendoscopia (EBUS) é uma modalidade mais recente que permite também visualizar e puncionar estruturas que não se veem, como os gânglios linfáticos, o que é fundamental para estadiar o cancro antes de decidir a terapêutica”, explicam José Pedro Boléo Tomé, em representação da Comissão de Trabalho de Técnicas Endoscópicas da SPP, reforçando o papel do pneumologista de intervenção na execução neste tipo de procedimentos.

Para o especialista, “tem havido avanços tecnológicos importantes, por exemplo no recurso a técnicas de navegação, que permitem atingir pequenos nódulos periféricos que não são acessíveis e representam quase sempre fases iniciais do cancro. A combinação destas várias técnicas tem melhorado muito os resultados e pode vir a permitir no futuro tratar e destruir estes nódulos, de forma muito pouco invasiva”.

A SPP esclarece que as técnicas pneumológicas acompanham todo o percurso do doente, quer nas fases de diagnóstico e estadiamento, que cada vez são mais completas e precisas, quer no decurso do tratamento, em que pode ser necessário obter mais material, estudar novas mutações genéticas do tumor ou esclarecer novas lesões, ou em fases mais avançadas e paliativas, em que não sendo curativas melhoram a qualidade de vida e previnem complicações. Esta abordagem pode ser endoscópica na árvore brônquica, mas também na cavidade pleural, ou até em outras lesões fora do tórax.

Tratamento cirúrgico do cancro do pulmão

A cirurgia acompanha os doentes nos vários momentos ligados ao diagnóstico de cancro do pulmão. Está disponível desde o início, com cirurgias de estadiamento e de diagnóstico, quando não obtido de outra forma. No que diz respeito à sua função terapêutica, é o pilar do tratamento dos doentes com cancro do pulmão em fases precoces, podendo ser considerada em casos localmente avançados quando associada a outras modalidades de tratamento (terapêutica multimodal) e nas fases mais avançadas pode ser um recurso para alívio sintomático dos doentes na tentativa de lhes reestabelecer qualidade de vida ou torná-los aptos a se submeterem a outro tipo de terapêuticas”, explicam Carolina Torres e Sara Lopes.

De acordo com as representantes da Comissão de Trabalho de Cirurgia Torácica da SPP, a cirurgia não é a única modalidade terapêutica com potencial curativo, contudo, “tem a vantagem de ser a única que oferece, no mesmo momento, vários benefícios: a remoção do tumor, em si, e dos gânglios linfáticos regionais, permitindo não só tratar removendo como fornecer mais material para estudo anatomopatológico, o que pode fornecer novas informações e completar o estadiamento da forma mais precisa possível. Assim sendo, a decisão dos tratamentos que se seguem a este procedimento com potencial curativo, é feita em conhecimento perfeito da fase da doença”.

O objetivo primário da cirurgia é “a remoção total do tumor, inclusive de estruturas vizinhas que possam estar associadas, bem como a remoção radical dos gânglios linfáticos regionais. Porém, este objetivo é indissociável de um outro: da manutenção de qualidade de vida. Podemos dizer que, atualmente, o equilíbrio entre esses dois parâmetros são o verdadeiro desafio do cirurgião”, descrevem Carolina Torres e Sara Lopes.

As especialistas acrescentam que “além de avaliar a extensão das estruturas a ressecar, temos de ter os nossos doentes muito bem estudados do ponto de vista funcional (cardio-respiratório, nutricional, entre outros) e escolher a abordagem que mais se adequa clinicamente, que na maioria dos casos, será a cirurgia vídeo-toracoscopica (minimamente invasiva) que é atualmente o gold standard. Outra opção dentro da cirurgia minimamente invasiva é a cirurgia robótica que tem a vantagem de uma visualização 3D e uma exponenciação da precisão cirúrgica que podem facilitar a dissecção. A cirurgia convencional (“aberta”) tem ainda também um papel importante, nos casos em que outra abordagem não permita concluir com segurança e especificações da cirurgia oncológica.

A par da evolução da técnica cirúrgica, outras modalidades terapêuticas têm permitido melhores resultados de sobrevivência e de qualidade de vida dos doentes com cancro do pulmão. Desde logo a redução do consumo de produtos de tabaco, nomeadamente em países economicamente mais desenvolvidos, o rastreio do cancro do pulmão, que tem permitido diagnósticos mais precoces e uma redução da mortalidade, e o desenvolvimento de tratamentos sistémicos mais eficazes tais como a imunoterapia e de terapêuticas dirigidas a alterações específicas dos tumores.

No âmbito do Dia Mundial do Cancro do Pulmão, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia indica que vai reforçar a divulgação de mensagens alusivas a este tema nas suas redes sociais e em mupis espalhados pelas várias cidades do país.