Tratamento à base de células estaminais mesenquimais pode contribuir para a recuperação funcional e a melhoria na qualidade de vida dos doentes que sofreram um Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquémico. A conclusão é de um estudo de revisão científica já publicado na revista Frontiers in Stroke.
O estudo analisou a segurança e a eficácia da utilização de um tratamento inovador com células estaminais mesenquimais, que estão presentes em fontes como a medula óssea, o tecido adiposo e o tecido do cordão umbilical, com base em artigos científicos publicados nos últimos 20 anos.
O AVC isquémico é o tipo mais comum de AVC, que como descrito no portal do Hospital de S. João, “representa 80 a 85% dos casos” e acontece quando uma artéria fica bloqueada por um coágulo, impedindo a corrente sanguínea de chegar ao cérebro. A falta de nutrientes e oxigénio nesta zona leva a alterações na morfologia dos neurónios e na comunicação entre eles, desencadeando uma resposta imunológica, que, em excesso, pode ser responsável pelas sequelas neurológicas.
Atualmente existem tratamentos para minimizar os efeitos secundários de um AVC, que se focam na desobstrução dos vasos sanguíneos ou na remoção cirúrgica dos coágulos. No entanto, as terapias existentes são limitadas e resultam apenas quando realizadas num curto intervalo de tempo após os primeiros sintomas da doença. Os especialistas têm vindo a procurar novas formas de tratamento para o AVC.
Para Letícia Nunes, Técnica Coordenadora de Processos e Produtos, da Crioestaminal, sendo o tempo um fator determinante para garantir o sucesso do tratamento no caso do AVC, “as células estaminais mesenquimais poderão ser uma opção terapêutica útil para superar esta limitação, podendo permitir reduzir os danos causados pelo AVC, mesmo não sendo administradas nas primeiras horas a seguir a este.”
Papel das células estaminais no tratamento do AVC
Estudos publicados nas duas últimas décadas têm vindo a demonstrar que os tratamentos à base de células estaminais mesenquimais contribuem para minimizar os danos provados pelo AVC devido às suas propriedades imunomoduladoras e regenerativas.
O tratamento com células estaminais mesenquimais apresenta ainda outras vantagens, como a neuroproteção, a melhoria na recuperação neurológica e a capacidade das células estaminais darem origem a novos tipos de células, que poderão prevenir o aumento da morte celular e reduzir o stress oxidativo. Além disso, as células estaminais mesenquimais estimulam o crescimento de novos vasos sanguíneos, aumentando o fluxo de sangue e oxigénio nas áreas lesadas do cérebro.
Os autores do estudo indicam haver evidências que os tratamentos com base em células estaminais mesenquimais são benéficos na melhoria dos efeitos decorrentes do AVC: verificam-se melhorias no grau de dependência e na reabilitação dos doentes.
No entanto, é indicado que não foram observadas diferenças significativas nas taxas de mortalidade e de recorrência de AVC entre os doentes tratados com células estaminais mesenquimais comparativamente aos não tratados com estas células.
Desenvolvimentos em Portugal
A especialista, Letícia Nunes, esclareceu que “embora se encontre ainda numa fase inicial, a utilização das células estaminais no tratamento das lesões cerebrais isquémicas demonstrou segurança e eficácia nos ensaios clínicos realizados ao longo das últimas décadas. Este progresso tem impulsionado novas investigações, inclusive em Portugal”.
Em Portugal, o projeto de investigação “REPAIR – Reparar e Recuperar no AVC isquémico: novas estratégias de terapia celular” é conduzido pela Universidade de Coimbra (UC), pela Universidade da Beira Interior (UBI) e pela Crioestaminal.
A investigação portuguesa pretende desenvolver um novo tratamento para o AVC isquémico à base de células estaminais do cordão umbilical durante os próximos três anos, com o objetivo de encontrar respostas para as dificuldades no acesso a tratamentos para esta doença.
O Dia Nacional do Doente com AVC assinala-se a 31 de março. Estima-se que todos os anos ocorrem 25 a 30 mil casos da doença, que constitui a principal causa de morte e incapacidade no nosso país. Uma realidade que se traduz em três casos de AVC a cada hora, dos quais um dos doentes não sobrevive, e metade dos sobreviventes ficarão com sequelas incapacitantes.