Os profissionais de saúde nos países em desenvolvimento sabem que os sais de reidratação oral (SRO) são um tratamento barato e que salva vidas, no caso de diarreias, uma das principais causas de morte de crianças em todo o mundo. Os SRO são recomendados pela Organização Mundial da Saúde, mas poucos sãos os profissionais de saúde que prescrevem o uso.
Um novo estudo publicado na revista “Science” sugere que se for colmatada a lacuna de conhecimento sobre os tratamentos pelos prestadores de cuidados de saúde e os tratamentos que os pacientes realmente desejam poderá ajudar a salvar meio milhão de vidas por ano e reduzir o uso desnecessário de antibióticos.
“Mesmo quando as crianças procuram cuidados de um prestador de cuidados de saúde para a sua diarreia, como a maioria faz, muitas vezes não recebem SRO, que custa apenas alguns cêntimos e que é recomendado pela Organização Mundial de Saúde há décadas”, disse Neeraj Sood, autor do estudo, membro sénior do Centro Schaeffer de Política e Economia de Saúde da University of Southern California (USC).
“Esta questão intrigou os especialistas durante décadas e queríamos chegar ao fundo da questão”, disse o investigador.
Um olhar mais atento sobre as doenças infantis, na Índia
Existem várias explicações populares para a subprescrição de SRO na Índia, que é responsável pela maioria dos casos de diarreia infantil de qualquer país do mundo:
■ Os médicos presumem que seus pacientes não querem sais de reidratação oral, que vêm em pequenos pacotes e se dissolvem em água, porque não têm um bom sabor ou porque não são remédios “de verdade”, como os antibióticos.
■ Os sais estão esgotados no mercado porque não são tão lucrativos como outros tratamentos.
■ Os médicos ganham mais dinheiro prescrevendo antibióticos, embora sejam ineficazes contra a diarreia viral.
Para testar estas três hipóteses, a equipa de investigadores inscreveu mais de 2.000 médicos em 253 cidades de tamanho médio nos estados indianos de Karnataka e Bihar. Os investigadores selecionaram estados com demografia socioeconómica muito diferente e acesso variado aos cuidados de saúde para garantir que os resultados fossem representativos de uma ampla população. Bihar é um dos estados mais pobres da Índia com uma utilização de SRO abaixo da média, enquanto Karnataka tem um rendimento per capita acima da média e uma utilização de SRO acima da média.
Os investigadores contrataram funcionários treinados para atuar como pacientes ou cuidadores. Esses “pacientes padronizados” receberam roteiros para usar em visitas não anunciadas a consultórios médicos, onde apresentariam um caso de diarreia viral – para a qual os antibióticos não são apropriados – num seu filho de 2 anos. (Por questões éticas, as crianças não compareceram a essas visitas.) Os pacientes padronizados fizeram aproximadamente 2.000 visitas no total.
Os médicos foram escolhidos de forma aleatória para consultas de pacientes onde os pacientes expressaram preferência por SRO, preferência por antibióticos ou nenhuma preferência de tratamento. Durante as visitas, os pacientes indicaram a sua preferência mostrando ao profissional de saúde uma foto de um pacote de SRO ou antibióticos. Os pacientes pediram uma recomendação ao médico sobre qual dos tratamentos seria preferível usar.
Para controlar a prescrição motivada pelo lucro, alguns dos “pacientes” informaram o médico que iriam comprar os medicamentos noutro local. Além disso, para estimar o efeito das ruturas de stock, os investigadores distribuíram aleatoriamente todos os fornecedores em metade das 253 cidades para receberem um fornecimento de SRO para seis semanas.
As perceções erradas do fornecedor são mais importantes quando se trata de subprescrição de SRO
Os investigadores descobriram que as perceções dos médicos sobre as preferências dos pacientes são a maior barreira à prescrição de SRO – não porque os prestadores de cuidados não queiram SRO, mas sim porque os prestadores assumem que a maioria dos pacientes não quer o tratamento. A perceção dos médicos de que os pacientes não querem SRO foi responsável por cerca de 42% da subprescrição, enquanto as ruturas de stock e os incentivos financeiros explicaram apenas 6% e 5%, respetivamente.
Os pacientes que expressaram preferência por SRO aumentaram a prescrição do tratamento em 27 pontos percentuais — uma intervenção mais eficaz do que a eliminação de ruturas de stock (que aumentou a prescrição de SRO em 7 pontos percentuais) ou a remoção de incentivos financeiros (que apenas aumentou a prescrição de SRO nas farmácias).
“Apesar de décadas de conhecimento generalizado de que a SRO é uma intervenção que pode salvar vidas de crianças que sofrem de diarreia, as taxas de utilização de SRO permanecem teimosamente baixas em muitos países como a Índia”, disse Manoj Mohanan , coautor do estudo, investigador da Duke University. “Mudar o comportamento do fornecedor em relação à prescrição de SRO continua a ser um enorme desafio.”
Os autores do estudo afirmaram que estes resultados podem ser usados para conceber intervenções que incentivem os pacientes e os médicos a expressarem uma preferência de SRO quando procuram cuidados, bem como esforços para aumentar a sensibilização dos prestadores sobre as preferências dos pacientes.
“Precisamos encontrar maneiras de mudar a perceção dos médicos sobre as preferências dos pacientes para aumentar o uso de SRO e combater a resistência aos antibióticos, que é um enorme problema global”, disse Zachary Wagner, Escola de Pós-Graduação Pardee RAND. “Como reduzir a prescrição excessiva de antibióticos e abordar a resistência antimicrobiana é uma importante questão de saúde global, e o nosso estudo mostra que mudar as perceções dos fornecedores sobre as preferências dos pacientes é uma forma de trabalhar em direção a uma solução.”