Quando os meses passam e a gravidez não acontece, a decisão de dar o passo para procurar especialistas em fertilidade não é fácil para muitas pessoas, pois significa poder ter de enfrentar o diagnóstico de infertilidade. Para muitos, começa uma montanha-russa de emoções que, se não for gerida corretamente desde o início, pode afetar a saúde mental a longo prazo, descrevem os especialistas que estudos a condição de infertilidade.
Os tratamentos de fertilidade são processos que acarretam alguma incerteza, o que naturalmente gera ansiedade e medo. São processos que podem interferir com a autoimagem, em alguns casos podem ser muito invasivos fisicamente sobretudo para as mulheres, e por isso, por vezes, surgem sentimentos de baixa autoestima.
Sentimentos de desânimo generalizado, dificuldade em encarar o presente e o futuro com entusiasmo ou otimismo, culpa associada a vivências passadas, níveis de ansiedade que interferem com o bem-estar da pessoa e também com a sua capacidade de funcionamento, são sinais de alerta e devem ser valorizados, indicam os especialistas.
Quando estes sentimentos se prolongam ao longo do tempo e quando a pessoa sente que não está a conseguir dar-lhes resposta é fundamental procurar ajuda de um profissional de saúde mental.
“Muitas vezes focamo-nos exclusivamente no tratamento de fertilidade, mas é também fundamental trabalhar a gestão do impacto emocional de todo o processo nas suas diferentes fases“, explica Filipa Santos, psicóloga especialista no acompanhamento de pessoas que recorrem a tratamentos de Medicina da Reprodução, no IVI Lisboa.
A especialista acrescentou: “A infertilidade pode ser realmente um acontecimento de vida muito disruptivo, inesperado para a maioria das pessoas que é afetada por ele. É importante trabalhar a gestão das emoções para que estas não se tornem num obstáculo, ou num problema mais grave ao longo do tempo, que possa de facto ter consequências graves a nível da saúde mental. No IVI vemos os nossos pacientes no seu todo e, por isso, entendemos que o apoio psicológico faz parte do tratamento. Os psicólogos trabalham em conjunto com os outros profissionais para oferecermos os melhores cuidados”.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres correm maior risco de estigma social, stress emocional, depressão, ansiedade e baixa autoestima diante da infertilidade, e tendem a suportar mais essa carga mental diante de problemas reprodutivos.
Também se pode verificar que o medo do fracasso supere a ilusão da experiência e faça com que o estigma seja vivido com um alto nível de stress. Dados indicam que cerca de 22% das pessoas que se submetem a tratamentos de reprodução assistida relatam ansiedade durante todo o tratamento e 10% acabam por ter sintomas depressivos.
“Sentir-se vulnerável e com menos capacidade de controlo é normal, mas se essa preocupação começar a interferir na vida dessa pessoa e as emoções levarem a lugares ‘escuros’, é necessário conversar com um profissional da área da saúde mental antes que o problema se torne maior e possa levar à depressão. Em consulta, ajudamos a compreender e a trabalhar essas emoções desenvolvendo as ferramentas necessárias para as gerir. Tudo isso vai ajudar cada pessoa a entender e a cuidar do seu processo individual”, refere Filipa Santos.
Quando se assinala o Dia Mundial de Combate à Depressão, os especialistas aconselham algumas ferramentas para enfrentar a infertilidade (e regular as emoções), nomeadamente:
■ Para enfrentar a experiência da infertilidade de forma saudável, a primeira coisa a fazer é aceitá-la e normalizá-la, mesmo que seja desafiante é fundamental que haja uma aceitação sem culpa de que precisamos de ajuda. A partir daqui será mais fácil lidar com todo o processo.
■ É importante confiar nos processos médicos e seguir as orientações estabelecidas pelo especialista, ajustar as expetativas acerca dos resultados. Enquanto profissionais promovemos e apoiamos a tomada de decisão consciente e informada dos nossos pacientes.
■ Por vezes, dada a incerteza do diagnóstico, as pesquisas na Internet são realizadas de forma não orientada. E tanto o excesso de informação, como a não fornecida pelos profissionais de saúde, representa um risco de estabelecer conceitos errados sobre o diagnóstico ou sobre o tratamento da infertilidade. Recomendamos que tire todas as dúvidas que surgirem com o seu médico para evitar assumir como válidos conceitos que não se aplicam ao seu caso ou que foram mal interpretados.
■ Antecipar os acontecimentos só gera ansiedade. Foque a sua atenção no dia-a-dia, etapa a etapa do processo para reduzir os pensamentos intrusivos.
■ Esperar que a ansiedade ou depressão aguda desapareça por conta própria é esperar em vão e pode levar a que os sintomas piorem. Peça ajuda.
■ O stress e a ansiedade podem interferir com a vida sexual. Este tema é fundamental na vida de um casal e deve também ser abordado e trabalhado para que consigam ultrapassar esta fase desafiante.
■ Não há duas pessoas iguais e cada caso é único. Há pessoas que assumem a infertilidade naturalmente e outras para quem pode ser muito traumático. Comparar casos ou resultados pode não ajudar a pessoa que está a sofrer com a infertilidade.
A especialista da IVI conclui, afirmando: “Uma boa atitude ajuda-nos a enfrentar as adversidades da vida, mas não é tudo. Somos humanos, e se o sentimento de ansiedade nos vence e acreditamos que podemos estar a sentir sintomas depressivos, devemos recorrer a um profissional de saúde mental que nos ajude na gestão das nossas emoções. Este é um projeto emocionante e, embora haja tempos difíceis, não podemos esquecer que a nossa saúde mental é o motor das nossas vidas“.