Passadas três décadas de investigação e debate sobre as causas dos sintomas que afetam os veteranos dos EUA da Guerra do Golfo Pérsico, uma equipa de cientistas liderados por Robert Haley, do Centro médico Southwestern da Universidade do Texas, EUA, descobriram que o gás de nervos, sarin, foi o grande responsável pela síndrome.
Os cientistas resolveram o mistério dos sintomas crónicos inexplicáveis dos veteranos da guerra através de estudos genéticos detalhados. As descobertas foram publicadas na revista Environmental Health Perspectives.
Os cientistas descobriram que veteranos expostos ao sarin eram mais propensos a desenvolver a sindrome, mas também descobriu que o risco era modulado por um gene que normalmente permite que o corpo de algumas pessoas decomponha melhor o gás de nervos. Os veteranos da Guerra do Golfo com uma variante fraca do gene e que foram expostos ao sarin eram mais propensos a desenvolver sintomas do que outros veteranos expostos que tinham uma forma forte do gene.
“Simplesmente, nossas descobertas provam que a doença da Guerra do Golfo foi causada pelo sarin, que foi libertado quando bombardeamos as instalações de produção e armazenamento de armas químicas do Iraque”, disse Robert Haley, o epidemiologista que investiga a síndrome da Guerra do Golfo há 28 anos.
O cientista acrescentou: “Ainda existem mais de 100.000 veteranos da Guerra do Golfo que não estão a receber ajuda para esta doença e a nossa esperança é que estas descobertas acelerem a procura por um melhor tratamento”.
Nos anos imediatamente após a Guerra do Golfo, mais de um quarto dos veteranos dos EUA e da coligação que serviram na guerra começaram a relatar uma série de sintomas crónicos, incluindo fadiga, febre, suores noturnos, problemas de memória e concentração, dificuldade em encontrar palavras, diarreia, disfunção sexual e dor corporal crónica. Desde aí, investigadores das universidades como militares e do Departamento de Assuntos de Veteranos estudaram uma lista de possíveis causas da doença, variando de stress, vacinas e queima de poços de petróleo à exposição a pesticidas, gases de nervos, medicamentos contra gases de nervos e urânio empobrecido.
Ao longo dos anos, os estudos identificaram associações estatísticas com vários deles, mas nenhuma causa foi amplamente aceita. Mais recentemente, o epidemiologista Robert Haley e colega investigador relataram um grande estudo com teste à urina de veteranos para uranio empobrecido que ainda estaria presente se tivesse causado a doença, mas não foi encontrado esse uranio nos veteranos.
“Já em 1995, quando definimos pela primeira vez a doença da Guerra do Golfo, as evidências apontavam para a exposição a agentes de nervos, mas levou muitos anos para construir um caso irrefutável”, esclareceu Robert Haley.
O sarin é um agente de nervos tóxico produzido pelo homem, e desenvolvido pela primeira vez como um pesticida, mas que tem sido usado em guerra química; a produção do sarin foi proibida em 1997.
Quando as pessoas são expostas à forma líquida ou gasosa do sarin este entra no corpo através da pele ou da respiração e ataca o sistema nervoso. Altos níveis de sarin geralmente resultam em morte, e estudos em sobreviventes revelaram que a exposição a níveis mais baixos de sarin pode levar ao comprometimento da função cerebral a longo prazo.
Os militares dos EUA confirmaram que agentes químicos, incluindo sarin, foram detetados no Iraque durante a Guerra do Golfo. Em particular, imagens de satélite documentaram uma grande nuvem de detritos subindo de um local de armazenamento de armas químicas iraquianas bombardeado por aeronaves dos EUA e da coligação. A nuvem passou sobre posições de tropas terrestres dos EUA, tendo sido disparado milhares de alarmes de gás de nervos e foi confirmado que a nuvem continha sarin.
Estudos anteriores tinham encontrado uma associação entre veteranos da Guerra do Golfo que relataram exposição ao sarin e sintomas da doença da Guerra do Golfo. No entanto, foram levantadas questões ligadas à memória, incluindo se os veteranos com os sintomas seriam simplesmente mais propensos a lembrar-se e a relatar a exposição devido à suposição de que o sarin podia estar ligada à sua doença.
Para o epidemiologista “o que torna este novo estudo um divisor de águas é que ele liga a doença a uma interação gene-ambiente muito forte que não pode ser explicada por erros sobre a memória e a exposição ambiental ou sobre outros vieses nos dados”.
Neste último estudo, os cientistas estudaram 508 veteranos com a síndrome da doença e 508 veteranos que não desenvolveram qualquer sintoma. Todos os veteranos foram selecionados aleatoriamente entre mais de 8.000 representativos dos tempos da Guerra do Golfo que completaram o US Military Health Survey. Os cientistas mediram a exposição ao sarin e questionaram os veteranos se teriam ouvido alarmes químicos de gás de nervos durante sua estadia na guerra, mas também recolheram amostras de sangue e DNA de cada veterano.
Os investigadores testaram as amostras para variantes de um gene chamado PON1. Existem duas versões de PON1: a variante Q gera uma enzima sanguínea que degrada eficientemente o gás sarin, enquanto a variante R ajuda o corpo a quebrar outros produtos químicos, mas não é eficiente a destruir o gás sarin. Todos carregam duas cópias de PON1, dando-lhes um genótipo QQ, RR ou QR.
Para veteranos da Guerra do Golfo com o genótipo QQ, ouvir alarmes de agentes nervosos e a possibilidade de desenvolverem sintomas foi superior em 3,75 vezes. Para os do genótipo QR, os alarmes aumentaram as hipóteses de sintomas em 4,43 vezes. E para os de duas cópias do gene R, ineficientes na quebra do sarin, a possibilidade de terem sintomas aumentou 8,91 vezes. No caso dos soldados com o genótipo RR e exposição de baixo nível de gás sarin foram sete vezes mais propensos a obter os sintomas devido à interação em si, além do aumento do risco de ambos os fatores de risco terem agido isoladamente. Para os epidemiologistas genéticos, esse número leva a um alto grau de confiança de que o sarin é um agente causador dos sintomas da designada doença da Guerra do Golfo.
“O risco está subindo passo a passo, dependendo do genótipo, porque esses genes estão a mediar a qualidade do corpo inativar o sarin”, disse o epidemiologista. “Isso não significa que a pessoa não pode contrair a doença da Guerra do Golfo se tiver o genótipo QQ, porque mesmo a proteção genética de nível mais alto pode ser sobrecarregada pela exposição de maior intensidade”.
Esse tipo de forte interação gene-ambiente é considerado um padrão-de-ouro para mostrar que uma doença como a da Guerra do Golfo foi causada por uma exposição tóxica ambiental específica, acrescentou o cientista. A investigação não descarta que outras exposições químicas possam ser responsáveis por um pequeno número de casos da doença da Guerra do Golfo. No entanto, os cientistas realizaram análises genéticas adicionais e testaram outros fatores que poderiam estar relacionados, e não encontraram outras causas.
Como afirmou o cientista “não há nenhum outro fator de risco que chegue perto de ter este nível de evidência causal para a doença da Guerra do Golfo”. Os cientistas continuam os estudos sobre como a doença afeta o corpo, particularmente o sistema imunológico, para verificar se os efeitos são reversíveis e se existem biomarcadores para detetar exposição prévia ao gás sarin.