Um medicamento que passou por vários ensaios clínicos para condições humanas, mas que ainda não recebeu aprovação para ser usado em tratamentos, inibiu a replicação do coronavírus SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19. O estudo que foi feito em culturas de células humanas e num modelo de rato levou a cargas virais muito mais baixas.
A equipa de investigação, que incluiu cientistas do Laboratório Nacional de Argonne do Departamento de Energia dos EUA, também descobriu que o medicamento pode ser eficaz contra muitos tipos de coronavírus e picornavírus. Devido à forma como inibe a replicação, também demonstrou que é eficaz às variantes da COVID-19.
“Os inibidores da protéase principal do SARS-CoV-2, como o masitinibe, podem ser uma nova forma potencial de tratar pacientes com a COVID, especialmente nos estágios iniciais da doença”, referiu Savas Tay, da Escola Pritzker de Engenharia Molecular da Universidade de Chicago, que liderou a investigação“. A COVID- 19 provavelmente vai estar connosco durante muitos anos, e novos coronavírus vão continuar a surgir. Encontrar medicamentos já existentes que tenham propriedades antivirais pode ser uma parte essencial do tratamento dessas doenças.”
A equipa de investigação usou os raios-X ultrabright da Advanced Photon Source, uma instalação do Departamento de Energia do US Office of Science em Argonne, para determinar as estruturas do vírus SARS-CoV-2 com o medicamento. Os resultados foram publicados na revista “Science“.
Uma corrida para encontrar tratamentos para a COVID-19
Quando os confinamentos, devido à COVID- 19, começaram em março de 2020, Savas Tay e Nir Drayman, da Universidade de Chicago, especializados em virologia, desenvolveram um estudo de pesquisa de um melhor tratamento para a doença. A pesquisa começou por rastreio de uma biblioteca de 1.900 medicamentos clinicamente seguros contra um coronavírus que provoca a gripe comum e pode ser estudado em condições de biossegurança regulares. E usaram culturas de células para determinar o efeito dos medicamentos na infeção.
Os investigadores entregaram os 30 melhores medicamentos candidatos a Glenn Randall, especialista de microbiologia da Universidade de Chicago, que testou os medicamentos em culturas de células contra o coronavírus SARS-CoV-2 no Howard Taylor Ricketts Laboratory. Medições em laboratório revelaram que quase 20 medicamentos inibem o SARS-CoV-2.
Os medicamentos candidatos foram também testados contra a protéase 3CL, a enzima dentro dos coronavírus que permite que se repliquem dentro de uma célula. Os investigadores descobriram que dos candidatos a medicamentos, o masitinibe inibiu completamente a enzima viral 3CL dentro da célula, um facto que foi confirmado pela cristalografia de raios-X por Andrzej Joachimiak e pelos investigadores do Centro de Biologia Estrutural da APS. O medicamento liga-se especificamente ao sítio ativo da protéase 3CL e inibe a replicação viral posterior. O que para Nir Drayman deu “uma forte indicação de como esse medicamento funciona, e ficamos confiantes de que o medicamento tem uma possibilidade de funcionar em humanos”.
Embora o masitinibe esteja atualmente aprovado apenas para tratar tumores de mastócitos em cães, o medicamento foi submetido a testes clínicos em humanos para várias doenças, incluindo melanoma, doença de Alzheimer, esclerose múltipla e asma. Foi demonstrado que é seguro em humanos, mas causa efeitos colaterais, incluindo distúrbios gastrointestinais e edema, e pode potencialmente aumentar o risco de doenças cardíacas no paciente.
Medicamento eficaz contra variantes e outros vírus
Os investigadores trabalharam com colegas da Universidade de Louisville para testar o medicamento num modelo de rato, e descobriram que o medicamento reduziu a carga viral SARS-CoV-2 em mais de 99% e reduziu os níveis de citocinas inflamatórias em ratos.
Paralelamente, os investigadores também começaram a testar o medicamento em culturas de células contra outros vírus e descobriram que também era eficaz contra picornavírus, que incluem hepatite A, poliomielite e rinovírus que causam a constipação comum.
Os testes em culturas celulares contra três variantes SARS-CoV-2, a alfa, a beta e a gama, e descobriram que funcionou igualmente bem contra essas variantes, uma vez que se liga à protéase e não à superfície do vírus.
Agora, a equipa está a trabalhar com a empresa farmacêutica que desenvolveu o masitinibe (AB Science) para ajustar o medicamento e torná-lo um antiviral ainda mais eficaz. Enquanto isso, o próprio masitinibe pode ser levado para ensaios clínicos em humanos para ser testado como um tratamento COVID-19.
“O masitinibe tem o potencial de ser um antiviral eficaz, especialmente quando alguém é infetado pela primeira vez e as propriedades antivirais do medicamento terão maior efeito”, disse Drayman. “Esta não é a primeira novela do surto coronavírus, e não vai ser a última. Além das vacinas, precisamos ter novos tratamentos disponíveis para ajudar as pessoas que são infetadas.”