Para combater a pandemia de COVID-19 estão a ser usadas a vacinação para imunização e medidas de proteção individual. Atualmente existam várias vacinas no mercado, no entanto as limitações de produção e a disponibilidade da vacina a nível global são um desafio.
A ideia de desenvolver uma vacina oral com bactérias não é nova e pode ser rapidamente escalável, com custos reduzidos, atingindo mais pessoas em países onde as cadeias de frio para a conservação e a capacidade de aplicação da vacina podem ser limitadas.
O Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e o Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) António Xavier da Universidade NOVA de Lisboa têm vindo há vários anos a estudar as diferentes bactérias com que convivemos e o potencial de algumas delas para induzirem a produção de anticorpos que nos protegem contra doenças.
A descoberta de que uma bactéria modificada pode levar o seu hospedeiro a desenvolver anticorpos que o proteja contra a malária, a capacidade de desencadear uma resposta imune do intestino e o estudo da capacidade dos esporos bacterianos de atuarem como veículos para o transporte de proteínas de interesse foram alvo de anteriores estudos que levaram ao desenho do estudo de uma nova vacina.
A investigadora principal do IGC, Isabel Gordo, tem vindo há mais de 10 anos a estudar bactérias e sua interação com o organismo. A reunião do conhecimento acumulado nos últimos anos por uma equipa multidisciplinar do IGC foi a peça crítica para avançar nos trabalhos de uma vacina contra a COVID-19.
“Pretendemos expressar uma parte da proteína “Spike” numa bactéria, administrá-la como probiótico e estimular uma resposta imune capaz de enfrentar a infeção causada pelo SARS-CoV-2” referiu a investigadora.
No ITQB NOVA, os investigadores Adriano Henriques e Mónica Serrano também têm vindo a estudar há décadas esporos bacterianos, estruturas celulares que são metabolicamente dormentes e capazes de resistir a condições ambientais extremas.
“Os esporos formados por certas bactérias são capazes de sobreviver quando expostos a condições físicas e químicas extremas condições. Tivemos que garantir isso para que a bactéria administrada por via oral chegue intacta ao intestino, onde vai atuar e estimular o sistema imunológico ”, explicou a pesquisadora, e acrescentou: “As propriedades de resistência dos esporos também são uma vantagem para seu armazenamento e transporte, que não requerem rede de frio”.
Investigadores dos dois institutos produziram uma bactéria recombinante que produz esporos com uma parte da proteína “Spike” do vírus SARS-CoV-2 na superfície. A parte da proteína “Spike” é responsável pela ligação do vírus ao hospedeiro e também aquela que pode desencadear uma resposta imune protetora.
“Os resultados dos primeiros ensaios são muito promissores e levam-nos à próxima etapa, na qual avaliaremos a quantidade necessária de esporos a serem administrados ao hospedeiro, para garantir uma resposta adequada, e testá-la-emos em modelo animal exposto ao vírus para medir a capacidade de resposta à doença ”, explicou Isabel Gordo. A grande vantagem desta solução é que “a produção em grande escala é extremamente fácil, os custos são reduzidos e a estrutura do “Spike” introduzido é facilmente modificada”.
Na última etapa do projeto, é necessário testar a capacidade desta vacina em ambiente de laboratório protegido, uma vez que é realizada com o vírus SARS-CoV-2 ativo. O estudo vai decorrer num laboratório de Biossegurança nível 3, que o IGC acaba de construir, como resultado de um reforço estratégico das instalações para alargar a investigação a outros estudos com vírus e bactérias ativos.
O desenvolvimento deste projeto de vacina assenta numa estratégia centrada na missão e nos valores da Fundação Calouste Gulbenkian com vista à melhoria da qualidade de vida da população e como contributo para a igualdade de oportunidades na sociedade, e do ITQB NOVA, para promover a ciência e a tecnologia em benefício da saúde humana e do meio ambiente.
Os próximos passos críticos assentam na equipa multidisciplinar de vários laboratórios do IGC cuja investigação em imunologia e genética será essencial para o sucesso do projeto, e incluem os laboratórios Luís Moita, Moises Mallo, Jocelyne Demengeot, Maria João Amorim, Miguel Soares e Jonathan Howard.