Em setembro de 2020, quatro associações de defesa do património natural e cultural do Porto interpelaram a Câmara Municipal do Porto, a empresa Metro do Porto S. A. e outras entidades responsáveis por riscos envolvidos nas obras projetadas para o Jardim da Rotunda da Boavista e para o Jardim do Carregal, no contexto da nova linha rosa do metropolitano. No seguimento disso, uma delegação dessas associações foi recebida em reunião virtual em 1 de outubro seguinte pelo Conselho de Administração da empresa Metro do Porto S. A. Nessa reunião, foi assegurado às associações que, no caso dos dois jardins mencionados, tudo iria ser feito para os proteger de qualquer perigo, estando em ambos os casos programadas medidas especiais de reforço com vista a evitar eventuais impactos negativos.
A proteção excecional prometida não tardou em revelar-se um logro. Segundo a imprensa, tendo como fonte a própria empresa, a operação a decorrer no Jardim do Carregal desde 12 de maio, que supostamente previa «apenas» o abate ou transplante de dois espécimes, levou ao transplante não previsto de dez árvores, em condições que estão longe de ser favoráveis ao resultado pretendido. Nada garante que elas sobrevivam ou que eventual sobrevivência a curto prazo se possa manter.
Enorme erro de cálculo: terá acontecido por acaso?
Dada a exiguidade da área intervencionada e o porte e valor ambiental, cultural e simbólico das árvores ali existentes, tal «erro de cálculo» que multiplica por 5 as contas iniciais da Metro do Porto será simples resultado da incompetência da empresa? Ou antes, logo ao definir o traçado da linha, este foi já resultante de imprudência e aventureirismo técnico? As autoridades implicadas, a nível do município e do governo, parecem ter-se demitido há muito de conceber os projetos tendo em conta o respeito pelos valores naturais e construídos que têm por missão proteger. Se têm alguma noção dos riscos envolvidos, decidem na mesma como se eles não existissem… e depois logo se vê. O resultado está bem à vista com o rolo compressor lançado no pequeno mas precioso jardim do Carregal.
Às brutalidades descritas na imprensa, a que ele foi sujeito, chama-se oficialmente «requalificação» destinada a manter «o seu desenho original». Mas eufemismos como esse não conseguem disfarçar a patente falsidade que contêm.
Como pôde revelar-se de tal modo errada a avaliação de risco ambiental? E como pôde a Agência Portuguesa do Ambiente – APA aceitar uma avaliação com falhas tão claras, contradizendo-se a si própria ao emitir uma DECAPE – Decisão sobre a Conformidade Ambiental do Projeto de Execução, que autorizou o que antes recusara, em circunstâncias recheadas de anomalias? Em situações como estas, é necessário o exercício de um poder fiscalizador efetivo, não a complacência de um organismo que se sujeite à ilusão duma conformidade ambiental inexistente.
Banalização da imprudência destruidora
Esperemos que tal demonstração de inépcia por parte da Metro do Porto não se repita a propósito do Jardim da Rotunda da Boavista. E agora, com mais razão, perguntamo-nos: será mesmo necessário vandalizar de modo ainda mais brutal e definitivo o Jardim da zona da Praça da Galiza (ou de Sophia), um jardim contemporâneo de autor e de elevado valor estético, artístico e ecológico, assim reconhecido pela própria Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da APA? Em face da ligeireza demonstrada pela Metro do Porto no que concerne a estimação do impacto ambiental das suas obras, não deverão a Agência Portuguesa do Ambiente e a Câmara Municipal do Porto exigir uma avaliação ambiental da linha rosa do Metro realmente independente?
Embora esse tipo de falsa «proteção» de valores patrimoniais naturais e construídos se esteja a banalizar por todo o país, no Porto estas práticas tendem a multiplicar-se.
As associações signatárias têm-se oposto a essas práticas desde há décadas e ainda num passado recente. Não renunciarão a denunciar tais abusos e a apelar à sua prevenção. Como a experiência infelizmente mostra, é difícil acreditar na palavra e nas promessas de decisores que, tendo por missão e obrigação proteger os valores em causa, se escudam em subterfúgios e justificações regulamentares, interpretando-as a seu modo e como lhes convém. Não obstante, apelamos ainda a um sobressalto de consciência cívica de sua parte por forma a devolver a esses valores a sua legítima prioridade.
Autores: ACER – Associação Cultural e de Estudos Regionais, Campo Aberto – associação de defesa do ambiente, Clube Unesco da Cidade do Porto e NDMALO-GE Núcleo de Defesa do Meio Ambiente de Lordelo do Ouro-Grupo Ecológico.