A única vacina licenciada no mundo para a dengue pode piorar as subsequentes infeções, quando administrada em regiões com baixos índices de infeção pela dengue. Se uma pessoa depois de ter recebido a vacina for infetada com a dengue, pode contrair a doença num grau severo, indica estudo realizado por cientistas do Imperial College London, do John Hopkins Bloomberg School e da University of Florida.
O estudo, publicado na revista ‘Science’, indica que foram analisados todos os dados de ensaios clínicos realizados com a vacina e disponíveis ao público, e a conclusão do estudo aponta para que quando uma pessoa que nunca tenha sido exposta ao vírus é vacinada, o sistema imunitário fica enfraquecido, e se a seguir houver uma infeção pelo vírus resultará numa infeção grave.
No entanto, o estudo também indica que as pessoas que, antes de serem vacinadas, já tenham sido expostas ao vírus, irão ser beneficiadas pela vacina, dado que esta reduz a gravidade de futuras infeções.
Os investigadores recomendam que antes de ser administrada a vacina deverá haver uma certificação de que as pessoas já foram expostas ao vírus da dengue. Isto ajudará a evitar um aumento de casos graves da doença.
A dengue é uma infeção viral que provoca quase 400 milhões de casos de infeção por ano. De acordo com as últimas estimativas, cerca de metade da população do mundo corre o risco de uma infeção pelo vírus da dengue. O vírus é transmitido por mosquitos que com uma picada podem provocar febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares. Em alguns casos, pode levar a uma condição de risco de vida, chamada febre hemorrágica, que é uma das principais causas de morte ou doença grave entre crianças, em alguns países asiáticos e latino-americanos.
Ao contrário da maioria das doenças infecciosas, a segunda vez que uma pessoa é infetada com a dengue, as consequências são geralmente muito mais graves do que quando é infetada pela primeira vez. Isto pode explicar o porquê da vacina amplificar a doença em algumas pessoas, especialmente em crianças.
Quando uma pessoa é infetada com um vírus o seu sistema imunitário constrói defesas. Isto significa que quando uma pessoa é infetada uma segunda vez, o vírus é destruído antes que se verifiquem sintomas. No caso do vírus da dengue, o vírus deixa o sistema imune, assim, quando uma pessoa é infetada uma segunda vez, componentes do sistema imunitário – designados por anticorpos – ajudam o vírus a infetar as células, levando a uma infeção mais grave.
Neil Ferguson, investigador do Medical Research Council, Imperial College London e coautor do estudo, explica que se uma “pessoa nunca foi exposta à dengue, a vacina parece agir como uma infeção silenciosa. A exposição inicial ao vírus da vacina deixa o sistema imune, e por isso, quando há uma segunda infeção, os sintomas podem indicar uma situação grave”.
A vacina produzida pela empresa Sanofi-Pasteur está disponível em seis países, depois de ter sido testada em cerca de 30.000 pessoas em dez países. Agora, a equipa de investigadores desenvolveu um modelo em computador para prever a eficácia da vacina.
Para Neil Ferguson, “ter uma vacina licenciada e disponível contra a dengue é um passo significativo para controlar a doença. No entanto, devemos ter cuidado ao administrar a vacina, onde e como a usamos, pois ainda há incertezas sobre o impacto” da vacina na saúde da população.
Os investigadores consideram que a vacina trás benefícios, mas apenas quando administrada em regiões muito afetadas com o vírus da dengue, onde a probabilidade das pessoas já terem tido contacto com o vírus é muito elevada.
Derek Cummings, investigador da Universidade da Flórida e coautor do estudo, indica que “em locais com alta intensidade de transmissão, a maioria das pessoas já foram expostos ao dengue antes de serem vacinadas. Neste caso a vacina tem maior eficácia”.
No entanto, em locais com baixa intensidade de transmissão, o investigador, esclarece que “as pessoas podem não ter sido expostas previamente à dengue e neste caso a vacina pode colocar as pessoas em risco de doença grave”.
Isabel Rodriguez-Barraquer, primeira coautora do estudo e investigadora da Johns Hopkins Bloomberg School, explica que “uma triagem dos potenciais recetores da vacina poderá maximizar os benefícios e minimizar o risco de resultados negativos”.
A Organização Mundial da Saúde recomenda que os países considerem a introdução da vacina contra a dengue somente em contextos geográficos (nacionais ou subnacionais), onde os dados indiquem uma elevada taxa de transmissão da doença.
Neil Ferguson refere que “o modelo desenvolvido permite estimar quais os lugares onde pode haver um declínio na incidência da dengue com programas de vacinação em larga escala, e os lugares em que não devem ser implementados programas de vacinação”.
O investigador acrescenta que “a vacina pode aumentar os riscos de doença da dengue grave em crianças”, pelo que os decisores políticos devem avaliar as campanhas de vacinação por regiões.