A Tragédia de Júlio César é uma peça de um “tempo estranho”, cego, volátil e tenso, de ambíguos vínculos entre a vida privada e a responsabilidade pública e entre as questões políticas e a moral. Inspirado nos fatídicos “idos de março”, de William Shakespeare.
O espetáculo estreia-se na sexta-feira, dia 11 de outubro, no Teatro Nacional São João (TNSJ). Um trabalho que marca a nova direção artística do Ao Cabo Teatro – numa encenação de Luís Araújo – e resulta de uma releitura da tradução de Fernando Villas-Boas.
A Tragédia de Júlio César é mais que a tragédia de um homem ou do poder que este possui, é a tragédia de Roma enquanto cidade, palco e epítome expressivo da vida em comum dos homens. Alienada e podre, abate um tirano para apaziguar a culpa de si que não admite, e ergue uma outra, ainda mais feroz, tirania.
O texto é todo feito de justificações para o assassinato de Júlio César e as suas consequências, sendo a oratória usada para os discursos que manipulam a população. “O espectador cria a sua narrativa, não só pelos momentos públicos da peça, mas sobretudo pelos momentos privados, esses jogos de sombras e espelhos”, diz-nos Luís Araújo que, quando leu o texto, imaginou aquilo que se passaria nos corredores do Parlamento.
Para o encenador, o “momento atual por si só justificaria a encenação de um conflito de poder. Num mundo cada vez mais dividido de uma forma bastante simplista, para não dizer fictícia, entre defensores e detratores, incendiado pela desinformação (…) é um tema partilhado entre a realidade de nosso tempo e a peça de Shakespeare”. Aliás, o jogo autorreferencial do espetáculo – que justifica a sua visão mais ‘contemporânea’ – remete-nos para os assassinatos que marcaram a nossa história política, como é o caso de Lincoln, Indira Gandhi, Kennedy, Martin Luther King, Saddam Hussein ou Kaddafi.
E, uma vez mais, a história repete-se
“A primeira vez como tragédia, a segunda vez como farsa e a terceira vez como um meme”. A frase de Luís Araújo sobre o espetáculo vai ao encontro de textos retirados da New Philosopher (2018), da autoria de Mark Colyvan & Brian Hedden, partilhados no programa do espetáculo. Neles, os autores evidenciam que, grande parte de nós, confia cegamente na democracia, apesar de que quando os processos democráticos levam a maus resultados tendemos a perguntar-nos o que correu mal e a procurar explicações, em vez de questionarmos o próprio sistema.
“Porquê esta confiança na democracia?” e “Poder ao Povo?” são questões ambíguas, mas atuais que, ao longo da peça, vão sendo respondidas. Um resumo expressivo da vida do comum dos homens, que nos possibilita rever e pensar enquanto sociedade.
Em coprodução com o São Luiz Teatro Municipal – onde o espetáculo será apresentado em março de 2020 –, A Tragédia de Júlio César está em cena até dia 20 de outubro: quarta-feira e sábado, às 19h00; quinta e sexta-feira, às 21h00; e domingo, às 16h00. Na récita de dia 18 de outubro está agendada uma conversa pós-espetáculo, moderada por Jorge Louraço Figueira e, na última sessão, a peça será traduzida em Língua Gestual Portuguesa (LGP). O preço dos bilhetes varia entre os 7,50 e os 16 euros.