Como o acesso legal à cannabis continua a expandir-se nos EUA, há cada vez mais cientistas a estudar os efeitos do ingrediente ativo, o tetrahidrocanabinol (THC), em adolescentes, adultos e nas mulheres grávidas.
Uma nova investigação da Duke Health (hospitais da Duke University) sugere que os homens nos seus anos férteis devem também considerar que o THC pode afetar os espermatozoides e, possivelmente, os filhos que concebam durante os períodos em que estiveram a consumir a droga.
Investigações anteriores já tinham mostrado que o fumo do tabaco, os pesticidas, retardadores de fogo e até mesmo a obesidade podem alterar o esperma, agora a investigação da Duke Health mostra que o THC também afeta a epigenética, provocando mudanças estruturais e regulatórias no ADN do esperma dos utilizadores de cannabis.
Experiências em ratos e o em 24 homens permitiu aos investigadores descobrir que o THC parece ter como alvo os genes em duas principais vias celulares e que altera a metilação do ADN, um processo essencial para o normal desenvolvimento.
Os investigadores ainda não puderam confirmar se as mudanças no ADN desencadeadas pelo THC são passadas para os filhos dos utilizadores de cannabis e que efeitos isso pode ter. As conclusões do estudo foram publicadas ontem, 19 de dezembro na revista Epigenetics.
“O que descobrimos é que os efeitos do uso de cannabis nos homens e na sua saúde reprodutiva não são completamente nulos, pois há algo sobre o uso de cannabis que afeta o perfil genético dos espermatozoides”, referiu Scott Kollins, professor em psiquiatria e ciências comportamentais na Duke Health e autor sénior do estudo.
Scott Kollins acrescentou: “Ainda não sabemos o que isso significa, mas o facto de que cada vez mais jovens do sexo masculino terem idade legal para ter acesso à cannabis é algo em que devemos pensar.”
Para o investigador os estudos mostraram haver uma diminuição constante na perceção do risco pelo uso regular de cannabis. Uma situação combinada com a procura e a ampla disponibilidade de canábis criada especificamente para gerar maior conteúdo de THC, tornam esta investigação especialmente oportuna.
O estudo definiu utilizadores regulares os que fumaram cannabis pelo menos semanalmente nos seis meses anteriores. Os espermatozoides foram comparados com os que não usaram cannabis nos últimos seis meses e não mais do que 10 vezes nas suas vidas. Os investigadores descobriram que quanto maior for a concentração de THC na urina dos homens, mais pronunciadas foram as alterações genéticas nos espermatozoides.
Os investigadores verificaram nas experiências que o THC pareceu afetar centenas de diferentes genes nos ratos e nos humanos, mas muitos dos genes tinham algo em comum – estavam associados a duas das mesmas principais vias celulares, referiu a principal autora Susan K. Murphy, professora associada e chefe da Divisão de Ciências da Reprodução em obstetrícia e ginecologia na Duke University.
Um dos caminhos está envolvido em ajudar os órgãos do corpo a atingir seu tamanho total, o outro envolve um grande número de genes que regulam o crescimento durante o desenvolvimento da criança. Ambas as vias podem tornar-se desreguladas em alguns tipos de cancro.
“O que isto significa para a criança em desenvolvimento, simplesmente não sabemos”, referiu Susan K. Murphy. Não se sabe se o espermatozoide afetado pelo THC pode ser saudável o suficiente para fertilizar um óvulo e continuar seu desenvolvimento num embrião, referiu a investigadora.
O estudo teve como partida os efeitos epigenéticos do THC no esperma e é limitado pelo número relativamente pequeno de homens envolvidos no estudo, referiu a investigadora. As descobertas nos homens também podem ser confundidas por outros fatores que afetam a saúde, como a nutrição, o sono, o uso de álcool e outros hábitos de vida.
A equipa da Duke Health planeia continuar a investigação com maiores grupos de homens, e pretende estudar se as mudanças no esperma são revertidas quando os homens param de consumir cannabis. Os investigadores também esperam testar o sangue do cordão umbilical de bebés nascidos de pais com espermatozoides alterados pelo THC, para verificar se há alterações epigenéticas a serem transportadas para a criança.
A investigadora esclareceu: “Sabemos que há efeitos do uso de cannabis nos mecanismos de regulação do ADN do esperma, mas não sabemos se podem ser transmitidos para a próxima geração.”
Mas “na ausência de um estudo maior e definitivo, o melhor conselho é assumir que essas mudanças existem”, referiu a investigadora, e acrescentou: “Não sabemos se são permanentes, pelo que, por precaução, devem parar de consumir cannabis por pelo menos seis meses antes de tentar engravidar. ”
Além de Scott Kollins e Susan K. Murphy, os autores do estudo incluem Nilda Itchon-Ramos, Zachary Visco, Zhiqing Huang, Carole Grenier, Rosa Schrott, Kelly Acharya, Marie-Helene Boudreau, Thomas M. Price, Douglas J. Raburn, David L. Corcoran, Joseph E. Lucas, John T. Mitchell, F. Joseph McClernon, Marty Cauley, Brandon J. Hall e Edward D. Levin.